A Lepra no Pará na análise do médico Heráclides de Souza Araújo

 Luiza Amador1
Camila Oliveira2

 

A lepra não é hereditária, é raramente congênita e é bastante contagiosa”.

 

A frase acima é do livro publicado em 1923 pelo médico Heráclides de Souza Araújo3 intitulado A Lepra, nele encontramos o estudo sobre a doença e artigos publicados no jornal Folha do Norte de 1921 a 1923. O autor inicia com uma descrição de como a lepra era denominada por vários povos: Hebreus – Zaraath , Sul-americanos – Morphéa, Árabes – Djudsam e Alemães – Aussatz .

 

Na introdução aponta a dificuldade na distinção entre lepra4 e sífilis (lues) e quais as fases evolutivas da doença. Segue afirmando a existência de um número significativo de leprosos no Pará, admitindo a necessidade de uma atuação profilática no Estado o mais rápido possível. Mas desconfiava dos números alarmantes de doentes quantificados em periódicos da capital.

 


1Historiadora da Biblioteca Pública Arthur Vianna – Núcleo de Pesquisa.
2 Estagiária de História da Biblioteca Arthur Vianna- Núcleo de Pesquisa.
3 Especialista em hanseníase clínica e experimental, catedrático de leprologia da Faculdade de Ciências Médicas do Rio de Janeiro, Souza Araújo nasceu no Estado do Paraná em 1886. Ele diplomou-se em 1912 pela Faculdade de Farmácia de Ouro Preto e mais tarde estudou na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Em 1915 defendeu tese sobre “O granuloma venéreo e a Roentgentherapia”. No Instituto Oswaldo Cruz trabalhou durante muitos anos e foi até diretor de Divisão.Em 1933 coube a Souza-Araújo a organização de um plano nacional de erradicação da hanseníase no Brasil. Ele foi perito da Organização Mundial da Saúde sobre problemas em relação à hanseníase (de 1957 a 1962) e ainda foi membro de inúmeras entidades médicas brasileiras e internacionais. Realizou numerosas tentativas para cultivar Mycobacterium leprae, e tentou reproduzir a doença em camundongos, macacos e hamsters. Suas contribuições científicas também versaram sobre malária, febre amarela, peste e as doenças venéreas. Souza-Araújo exerceu várias funções públicas no Paraná e Pará e foi presidente da Intenational Leprosy Association, de 1932 a 1953. Faleceu no Rio de Janeiro em 1962. Disponível em: https://www.ioc.fiocruz.br/pages/personalidades/HeraclidesSouzaAraujo.htm
4 No artigo usamos o termo “lepra” porque foi o encontrado no livro de Souza Araújo. A expressão “hanseníase”foi proposta pelo Prof. Dr. Abraão Rotberg e corroborada pelo então secretário de Saúde do Estado de São Paulo, Prof. Dr. Valter Leser, e também pelo comitê técnico desse órgão, que publicou uma resolução determinando a criação de novo vocabulário para classificar essa doença em dezembro de 1970. Desde então, a doença passou a denominar-se oficialmente Hanseníase para a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo. Em 1975, o Ministério da Saúde do Brasil adotou o termo “hanseníase” pelo Decreto 76.078, de 04/08/1975, (publicado no Diário Oficial da União – DOU, de 05/08/1975),7 do Governo Geisel. Gradativamente, essa nova terminologia também foi sendo aceita pelos demais serviços médicos, e em 29 de março de 1995, por intermédio da Lei federal número 9.010, tornou-se obrigatório o uso da terminologia hanseníase em substituição ao termo “lepra”. OPROMOLLA, Paula Araujo; MARTELLI, Carlos Ceribelli. A terminologia relativa à hanseníase. Comunicação • An. Bras. Dermatol. 80 (3) • Jun 2005 •.

 

Para Souza Araújo o bacilo de Hansen seria mais virulento quando expelido pelo nariz, dessa maneira, mãos, lenços e toalhas dos leprosos seriam de grande perigo. Afirmava que a lepra não era hereditária, e raramente, congênita, daí a necessidade da separação dos filhos quando um dos pais era leproso, pois os filhos poderiam adquirir a doença no convívio familiar.

O médico explica as primeiras manifestações da lepra, cita os indivíduos do interior e seus amortecimentos, os “esquecimentos” de certas regiões e membros, após um período em que estiveram doentes de : sarna, erisipela, queimadura ou constipação. O sintoma mais esclarecedor seria a febre causada pela invasão do bacilo no organismo. Mas a febre não seria o único sintoma para diagnóstico da lepra, Souza Araújo descreve o caso de uma moça de 17 anos, que sentiu apenas uma “preguiça” seguida de uma mancha rósea no rosto, fraqueza nas pernas e cefaléia.

O estudioso segue descrevendo os sintomas da lepra: febre intensa, fraqueza geral, anestesia dos pés, mãos, coxas, atrofia muscular, deformações no nariz e nas unhas. O médico acreditava que a lepra não era incurável e apontava os resultados de muitos dermatologistas indicando a cura da doença. Cita o uso de Silber Salvarsan5 em seus pacientes de Curitiba com resultados satisfatórios. Um dos tratamentos evidenciados por Souza Araújo para lepra foi o uso de óleo chaulmoogra6 com aplicações nas lesões e resultados satisfatórios.

 

 


5 O nome, Salvarsan, vem das palavras latinas salve, que significa saudável, e arsen, o arsênico. Durante
400 anos, havia sido usado o mercúrio para o tratamento da sífilis, com sucesso duvidoso, devido à toxicidade da substância. Do arsênico também se tinha medo, pois uma dosagem alta demais é fatal. Em 1910, Paul Ehrlich introduziu a droga à base de arsênico Salvarsan como remédio para a sífilis, uma doença sexualmente transmissível que estava cobrando um preço da saúde pública semelhante ao do HIV nas últimas décadas. Sua busca metódica por um medicamento específico para tratar uma doença específica marcou o início da quimioterapia direcionada. YARNELL, Amanda. Salvarsan. Disponível em : https://cen.acs.org/articles/83/i25/Salvarsan.html.

 

O livro demonstra também o conhecimento de Souza Araújo sobre os tratamentos realizados no exterior, cita nesse caso a Leprosaria de Molokai, território norte-americano do Hawaii. Estação de Investigação sobre a Lepra de onde chegavam as notícias mais “alvissareiras sobre a cura do terrível mal de Lázaro”7. Abaixo um resumo dos métodos medicinais aplicados nos doentes:

 

1200 leprosos isolados

  • Homens na seção Kalawao.
  • Mulheres e crianças seção Kalaupapa.
  • Tratamento feito com medicamentos e uma alimentação de boa qualidade.
  • Exigência de muita higiene corporal dos doentes.
  • Injeções intramusculares de óleo de chaulmoogra
  • Tratamentos coadjuvantes tais como: aplicação nas lesões cutâneas do linimento, de iodo preparado com os próprios ésteres etílicos.
  • Unguentos-para as velhas úlceras.

 

Após descrever os métodos terapêuticos utilizados no Hawaii, o médico expôs o tratamento da lepra no Serviço de Profilaxia Rural no Pará e quantos doentes foram atendidos no período de 03 meses: 778 leprosos. Explicou os tratamentos e orientações para cuidados naqueles que manifestavam a sarna, os eczemas, o impetigo e as úlceras.

O médico alertou sobre a alimentação que os doentes deveriam ter, aconselhando uma dieta farta e nutritiva. O leite, os ovos frescos, a carne verde, os cereais, os legumes e as frutas deveriam constituir o grosso da alimentação, não achava inconveniente que os leprosos fizessem uso do “assahy”. A abstenção completa de bebidas alcoólicas e o uso moderado do fumo.

 


6 As plantas conhecidas pela designação de chaulmoogras pertencem à família das Flacourtiáceas, e seus óleos contêm os ácidos hidnocárpico e chaulmúgrico, que são considerados os responsáveis pela ação terapêutica nos casos de lepra. Pelas informações levantadas na pesquisa verificamos que o óleo das sementes das chaulmoogras já era usado há muitos séculos, na Ásia, para o tratamento de doenças de pele, entre as quais a lepra. Segundo Helena Possolo, o primeiro relato do uso desse óleo advém da tradição oral dos povos hindus que contam a lenda de um rei de Burma. Ao ficar leproso, o rei abandonou o trono e escondeu-se na floresta, onde se curou comendo as sementes do fruto de Kalaw – nome dado pelos birmaneses e siameses para a chaulmoogra Taraktogenos kurzii (Possolo, 1945). Outra lenda atribui a descoberta da chaulmoogra a Rama, o primeiro rei da cidade indiana de Benares, que abdicou do trono, em favor do seu filho, porque havia contraído lepra. Isolou-se, então, na floresta e passou a alimentar-se apenas de ervas e raízes, e ao comer os frutos e as folhas da árvore de Kalaw curou-se da doença (Parascandola, 2003). Stellfeld (1940) vem confirmar que o termo ‘chaulmoogra’ é, originariamente, um vocábulo hindu.O óleo de chaulmoogra como conhecimento científico: a construção de uma terapêutica antileprótica. Hist. Cienc. Saúde-Manguinhos 15 (1) • Mar 2008.
7 ARAUJO, Heraclides Cesar de Souza. A Lepra: modernos estudos sobre o seu tratamento e prophilaxia.
Belém, PA : Typ. do Instituto Lauro Sodré, 1923. p. 47.

 

 

De todos os problemas da profilaxia da lepra, o que mais afligia do ponto de vista social, era o casamento entre pessoas saudáveis com leprosos e seus descendentes. Não havia inconveniente em se permitir a união entre leprosos, desde que se garantisse a devida proteção aos seus descendentes. Como a lepra era transmitida pelo contágio de homem a homem, só haveria uma profilaxia: o isolamento do doente.

Souza Araújo apresentou o Lazaropolis do Prata adquirido em dezembro de 1922, compreendendo a povoação de Santo Antônio do Prata, com dois grandes edifícios, uma igreja, 76 habitações, com sítios, terrenos reservados às margens dos rios Prata e Maracanã, podendo receber até 500 doentes. No livro há a descrição de todos os prédios e as atividades destinadas aos internos, as mulheres nas oficinas de costura e rouparia, as meninas teriam aulas do ensino primário, trabalhos manuais e prendas; os rapazes além das aulas fariam jardinagem e agricultura. Consta também o Regulamento do Lazaropolis especificando normas e direitos dos internos, e como aconteceria o isolamento, os leprosos abastados por exemplo, poderiam se isolar em casas próprias montadas com o conforto que as posses lhes permitiam.

Para finalizar o livro, Souza Araújo disponibilizou o debate que ocorreu na Conferência Americana da Lepra, reunida na cidade do Rio de Janeiro, de 8 a 15 de outubro de 1922. Medidas sanitárias de urgência que os países deveriam implantar com objetivo de diminuir o número de doentes, tendo como ponto de partida o combate ao contágio dos leprosos. E atribuições da classe médica diante da lepra, como a exigência das escolas médicas existentes nos países oferecerem o ensino da lepra incluindo a patogenia, a anatomia, o estudo clínico integral, a terapêutica e a profilaxia. Este ensino seria compulsório para os estudantes e teria um carácter essencialmente prático, compreendendo a demonstração clínica e as pesquisas de laboratório.

 

Lazaropolis do Prata – 1923 Lazaropolis do Prata – 1923 Crianças leprosas de Belém Asylo de leprosos do Tocunduba

 

Fonte: Araujo, Heraclides Cesar de Souza. A Lepra: modernos estudos sobre o seu tratamento e prophilaxia. Belém, PA : Typ. do Instituto Lauro Sodré, 1923.