Os “Paraenses Ilustres” do Ten. Cel. Raymundo Cyriaco Alves da Cunha

Alam José da Silva Lima

Núcleo de Pesquisa

O autor nasceu em Belém a 08 de agosto de 1859 e faleceu a 29 de setembro de 1922, aos 63 anos. De família humilde, conseguiu com dificuldade estudar e diplomou-se como professor primário em 1877. Aprovado em concurso público para o cargo de amanuense da Secretaria Provincial foi nomeado e galgou com o tempo a profissão, chegando ao Tesouro da Província.

Foi pela sua capacidade nomeado mais tarde Secretário de Estado da Fazenda do Governador Augusto Montenegro (1867-1915), ficando no cargo até 1909. Tinha o desejo desde cedo de seguir a carreira militar, o que não pode fazer pela falta de condições na mocidade. No entanto, ingressou na Guarda Nacional até chegar à patente de Tenente-Coronel.

Raimundo Cyriaco é muito conhecido pela sua obra magna “Paraenses Ilustres”, muito pesquisada por conter informações importantes sobre as personalidades do cenário histórico, político, cultural e social paraenses. A Biblioteca Pública Arthur Vianna, na Seção de Obras Raras possui os exemplares da 1ª e 2ª edições dessa obra clássica. Passamos agora a analisar as suas principais características.

A 1ª edição foi impressa em Paris em 1896, com 142 páginas, pela Jablonski, Vogt & Cia. Como o estado do Pará ainda vivia sob o fausto da “Belle Époque”, era muito comum obras serem editadas na Europa. Provavelmente estava relacionado com a qualidade gráfica existente naquele continente e com os custos mais baratos, o que talvez não fosse o caso de a mesma obra ser publicada aqui em Belém.

Na capa são apresentadas algumas informações sobre o autor, tais como ser contador do Tesouro Público do Pará, ser professor titulado pela Escola Normal de Belém e ser sócio dos Institutos Histórico e Geográfico do Brasil e da Bahia. O autor faz logo no início, o seu “oferecimento” da obra para personalidades políticas do Estado do Pará, como o Senador Antonio José de Lemos (1843-1913) e o Inspetor da Higiene Pública, o Dr. Cypriano dos Santos, além de outros deputados paraenses.

A seguir, Cyriaco se dirige aos leitores dizendo que a sua intenção com a obra era de “apresentar à geração presente, os nomes dos filhos d’este Estado que se tornarão (tornaram) dignos de nota por sua inteligência, na política, na guerra, nas belas artes e na literatura”. Não era, portanto, apresentar biografias extensas ou aprofundadas dos biografados e sim destacar os elementos principais das pessoas que fizeram história na região, pelos seus méritos nas suas áreas de atuação.

Nesta 1ª edição eram somente 27 biografias, sendo que algumas apresentavam gravuras das personalidades (Dom Romualdo Coelho, Dom Romualdo de Seixas, General Gurjão, Pedro da Cunha, Souza Franco, José Malcher, Hypólito Santa Helena, Pinto Marques, Assis Magno, maestro Gurjão, Marcelino, Júlio Cesar, Correia de Freitas, Siqueira Mendes e Paes de Carvalho).

O “rol” dos biografados é o seguinte: o Arcipreste José Monteiro Noronha, a lavadeira Maria Bárbara, o inventor João Francisco de Madureira Pará, o Coronel José de Araújo Roso, o Bispo Dom Romualdo de Souza Coelho, o Coronel Matheus Valente do Couto, o Bispo Dom Romualdo Antonio de Seixas, o padre Prudêncio das Mercês Tavares, o patriota Dr. Philippe Alberto Patroni Martins Maciel Parente, o General Hilário Maximiano Antunes Gurjão, o Chefe de Esquadra Pedro da Cunha, o Visconde de Souza Franco, o pintor Tito Carlos de Oliveira, o poeta Bruno Henrique de Almeida Seabra, Dom Joaquim Gonçalves de Azevedo, o Presidente da Provincia Dr. José da Gama Malcher, o jurista e dramaturgo Dr. Casemiro Borges Godinho de Assis, o poeta Dr. Carlos Hypolito de Santa Helena Magno, o professor Philippe Pinto Marques, o poeta Theodorico Francisco de Assis Magno, o maestro Henrique Eulálio Gurjão, o poeta Marcelino Lopes de Souza, o inventor Júlio Cezar Ribeiro de Souza, o médico e educador Dr. Joaquim Pedro Corrêa de Freitas, o jurista e Conselheiro Visconde de Jari, o Cônego Manoel José de Siqueira Mendes e o Conselheiro Romualdo de Souza Paes de Andrade.

Após as biografias, segue-se apenas o índice chegando-se ao final da obra. Ao que tudo indica, a publicação teve uma grande aceitação entre os paraenses, pois acabou esgotando-se rapidamente do mercado. Essa constatação motivou Cyriaco a planejar a segunda edição, que saiu após quatro anos, em 1900.

Dessa vez, foi através dos editores J. B. dos Santos, e editada em Belém, com um total de 160 páginas. Na capa apresentava novas informações sobre o autor, que naquele momento era sócio da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro e também Membro do Conselho Administrativo do Liceu Benjamim Constant.

A edição de 1900 era “ mais correcta e augmentada”, como constava na capa e folha de rosto. Tinha de acréscimo as biografias do Arcipreste João Batista Gonçalves Campos, do Major Antonio Nicolau Monteiro Baena e do Conselheiro Tito Franco de Almeida. Além das gravuras dos biografados da edição anterior, possuía gravuras do Visconde do Jari, do Senador Antonio José de Lemos, do Dr. Cypriano José dos Santos, e do Major Antonio Nicolau Monteiro Baena.

Para o leitor, Cyriaco justificava os motivos para uma segunda edição no esgotamento da obra no comércio, apesar dos mais de 4000 exemplares da tiragem inicial. Além disso, dada a sua grande aceitação, a publicação teve a aprovação unânime do Conselho Superior de Instrução Pública, e com isso foi aceita para o uso das escolas públicas primárias estaduais. Essa informação era apresentada na capa da mesma. E era bastante comum nesse período que, obras de professores célebres, fossem adotadas pelo governo do Estado para uso nas escolas públicas. Tal situação dava um “status” muito grande para aqueles que tinham essa honra, tais como Paulino de Brito, Vilhena Alves, e o próprio Cyriaco.

Após as biografias, encontra-se o índice contendo a relação de todos os biografados. E dessa segunda edição, no entanto, não temos a informação de quanto foi a sua tiragem exata. Presume-se que tenha sido alta para suprir a grande demanda que existia.

Muito tempo se passou e a 3ª edição saiu somente em 1970. Dessa vez, foi publicada pelo então Conselho Estadual de Cultura do Pará, fazendo parte da Coleção “História do Pará”, da série “Barão de Guajará”.

Esta edição de mais de 180 páginas, além do texto original, possui muitos acréscimos em relação às anteriores, como uma apresentação do professor Clóvis de Morais Rêgo, na época Presidente do Conselho Estadual de Cultura do Pará. Destaca ele de forma breve, as qualidades do autor de “Paraenses Ilustres” e a sua importância para a História do Pará, etc.

Como novidades, apresentava as fotografias do autor no final da vida e a do frontispício (folha de rosto) da segunda edição de 1900. De maneira geral, apresenta uma diagramação diferente das anteriores, que eram mais rebuscadas pela estética da época. O aspecto mais sensível de todos está relacionado com o tipo de papel com que foi editada, o qual se mostra bastante frágil para uma obra moderna, rompendo com extrema facilidade.

No mais, a obra segue a mesma orientação das anteriores, pois é uma reedição da 2ª edição, com alguns acréscimos. Ficou mantida, como na edição original, a fala do autor ao leitor, comentando que devido a boa aceitação de seu livro (no Brasil e no exterior) e por se encontrar esgotado, por isso foi reeditado. Em seguida, temos o documento de “aprovação” do mesmo pelo Conselho Superior de Instrução Pública do Estado do Pará, para ser usado nas escolas estaduais.

Aqui chega-se nas biografias das pessoas selecionadas e destacadas pelo autor. Em número de 30, acompanhadas de gravuras, quando estas estavam disponíveis, na época. Ao final das mesmas, possui na parte denominada de “Considerações e conceitos honrosos sobre o autor”, as biografias sobre Cyriaco realizadas pelos autores, Adolpho Pereira Dourado e Ricardo Borges.

E, na parte intitulada “Frontispícios das demais obras de autoria do Ten. Cel. Raymundo Cyriaco Alves da Cunha”, são reproduzidos os fac-símiles[1] do frontispício da 1ª edição de “Paraenses Ilustres” de 1896 e de outras obras de Cyriaco. E finalmente, o índice desta 3ª e última edição.

Observa-se assim que, após um intervalo de 70 anos, a obra de Cyriaco ainda possuía grande valor para os pesquisadores dos “vultos históricos” do Pará, o que recomendou a sua reedição. Nos dias atuais, mesmo a 3ª edição já se encontra esgotada e desconhecida do grande público. No entanto, pode ser pesquisada e apreciada pelos usuários através do site da FCP.[2]

Enfim, as biografias foram um tema bastante comum e recorrente nas produções do século XIX e inícios do século XX no mundo todo. No caso do Pará, não foi diferente. Eram necessárias para o conhecimento dos “vultos” de nossa história, arte, política, literatura, etc. Por isso, devemos ressaltar os méritos da obra de Cyriaco, que apesar de escrita há muito tempo, ainda possui informações úteis sobre as personalidades, que muitas das vezes, o público atual desconhece totalmente.

[1] Fac-símile: trata-se de uma expressão latina que significa “cópia fiel”.

[2] As três edições da obra podem ser pesquisadas através do site da FCP, na Seção Obras Raras – Acervo Digital: https://obrasraras.fcp.pa.gov.br/