O romance Hortência de Marques de Carvalho
Alam José da Silva Lima
Núcleo de Pesquisa
O autor João Marques de Carvalho nasceu em Belém a 06 de novembro de 1866. E faleceu a 11 de abril de 1910, em Nice na França. Era Filho de Antonio José Dias de Carvalho e de dona Thereza Marques de Carvalho. Da sua infância não sabemos quase nada. Apenas que aos treze anos (1879) partiu para Portugal com a sua família. Uma vez no Velho Mundo estudou humanidades com um tio, que era considerado um homem de grande sabedoria. Depois, em 1881, seguiu para Paris onde passou a estudar Letras. No ano de1884 retornou ao Pará, indo posteriormente estudar Direito na Faculdade do Recife, cursando os três anos iniciais. Mais tarde, atuou no magistério no Pará, ensinando português no Arsenal de marinha. Foi ainda Secretário Geral de Instrução Pública da Província paraense.
Acompanhou o Conde D’Eu na sua viagem ao Amazonas em 1889. E, no momento da Proclamação da República no Brasil, havia acabado de ser nomeado Secretário do Governo do Estado do Pará.[1]
Escreveu várias obras, dentre as quais se destaca: “A carreira de um diplomata”, 1ª parte de 1899;“Contos do Norte” de 1900;“Entre as Nympheas” de 1896;“Contos Paraenses” de 1889, etc. De todas, a sua obra mais importante e reconhecida nos dias atuais é o romance “Hortencia”, escrito em 1888, que iremos nos debruçar a seguir.
A obra que faz parte do acervo da seção de Obras Raras da BPAV, encontra-se disponível online através do site da Fundação Cultural do Pará (FCP). [2]O destaque do exemplar, pertencente ao setor de Obras Raras, é a presença de dedicatórias do autor para os srs. Tavares Cardoso e Olavo Nunes.
A obra foi publicada em Belém do Pará em 1888, pela Typographia de A. J. Duarte Costa. Possui um total de 345 páginas e está dividida em treze capítulos. Na parte inicial possui uma dedicatória do autor para o sr. José Marques Braga e trechos de obra de Sílvio Romero.[1] Após, temos uma fala do próprio Marques de Carvalho dirigida aos críticos de sua obra.
Para o professor Eidorfe Moreira, “Hortência” é considerado o primeiro romance belenense, uma vez que “O Homem das Serenatas” de Paulino de Brito “não é romance citadino, no sentido de fixar quadros urbanos em função do entrecho. ” [2]Ou seja, para ele o enredo da obra de Paulino não está inserido nos aspectos urbanos naquele romance, mas está presente na obra de Marques de Carvalho.
A obra faz parte da Escola do Naturalismo, movimento que pregava mostrar, através de suas obras, um “retrato fiel” da realidade. Segundo Eidorfe, ao invés de falar da paisagem e vida do homem do interior, procurou Carvalho a paisagem urbana de Belém, dando ênfase para um enredo que trata de um caso de incesto entre os personagens principais, Lourenço e Hortencia, que são irmãos.
O Naturalismo, entre as várias características das suas obras literárias, dava uma grande ênfase na miséria humana, na questão da violência, nos aspectos biológicos do homem, relacionados com a sexualidade, o que afetava os instintos das pessoas na sociedade.
Observa-se que um dos grandes destaques presentes na obra Hortencia reside no fato de que os personagens são pessoas do povo paraense, de classes sociais menos favorecidas e frutos da miscigenação da sociedade amazônica. A personagem principal que dá nome ao romance é uma mulata, filha de uma lavadeira, que busca melhor condição de vida. Trata-se, portanto, de uma temática que não está tão distante da realidade atual do Brasil.
Se nos aspectos literários a obra não é considerada como uma “obra-prima”, por conta de seu enredo considerado simples, é por outro lado, válida por ser uma das primeiras obras literárias paraenses que nos mostra aspectos urbanos da nossa cidade. São citadas ruas, com suas nomenclaturas antigas, a exemplo da Rua Cruz das Almas (atual Arcipreste Manoel Teodoro), as travessas, como a denominada do Príncipe (atual Quintino Bocaíuva), as estradas, como a Estrada da Constituição (atual Avenida Gentil Bittencourt), etc.
E também podemos destacar os tipos humanos e as suas profissões retratadas no romance, tais como as vendedoras de açaí (vendedeiras no linguajar do autor), a figura do aguadeiro ou vendedor de água, o sapateiro, a lavadeira, etc. Todos representados com as características de seus ofícios e da sua classe social.
Outro aspecto interessante vem do quanto a cidade de Belém é retratada como uma cidade ainda presa ao passado, sem quase nenhum traço de modernidade, pois ainda não estava grandemente modificada pelo “progresso” advindo da Belle Époque. Tal constatação fica patente em momentos do romance em que vemos que não existe iluminação elétrica, somente a gás e os bondes ainda eram puxados por tração animal. Em certos momentos da trama, verifica-se a presença de vendedores de água, pois ainda não havia um sistema de água encanada, etc.
Para Eidorfe, a obra “Hortencia” não apresenta Belém como uma das protagonistas do romance, tais como São Luís aparece em “O Mulato” de Aluísio de Azevedo. Ou seja, aqui “Belém nada mais é do que cenário em Hortencia, enquanto que São Luís é cenário e personagem em o Mulato”. [3]
No final, a obra apresenta uma “Nota” e uma “Observação”. Na primeira, o autor defende o seu romance dos críticos revelando que o seu tema foi baseado em fatos reais que, no entanto, ocorreram em Portugal. Na Observação, apresenta-se a “errata” ou correção das falhas, ocorridas durante a publicação da obra.
Hortencia foi republicada em 1989, ou seja, 101 anos da data de lançamento da obra. Dessa vez foi através do Projeto “Lendo o Pará”, s
ob o número 3, realizado pela antiga Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves (FCPTN), atual Fundação Cultural do Pará (FCP) e pela Secretaria de Estado da Cultura (SECULT). Contou com o patrocínio da então Cia. Vale do Rio Doce (atual Vale).
A republicação seguiu os critérios de manutenção da originalidade da obra. O texto seguiu sua forma integral, somente passando por uma atualização ortográfica. Manteve a errata da primeira edição, como consta da “Nota do editor”. Os acréscimos foram o estudo do professor Eidorfe Moreira sobre a obra; uma cronologia do autor; as notas referentes aos termos usados no livro, e a parte “Algumas ruas de Belém mencionadas no texto”.
Podemos afirmar que, apesar de suas possíveis “falhas” enquanto modelo de romance Naturalista, a obra de Marques de Carvalho possui também méritos, como os de mostrar uma Belém do passado, da Pré Belle Époque, e dar o protagonismo a personagens que raramente apareciam nos romances nacionais da época.
[1] O sr. José Marques Braga foi um candidato político ao senado paraense pelo Partido Republicano. O sr. Silvio Vasconcelos da Silveira Ramos Romero (1851-1914) foi um polímata brasileiro.
[2] Segundo artigo publicado na “A Província do Pará”, de 27 de maio de 1984, 2º caderno, p. 13.
[3] Op. Cit., p. 13.
[1] Todas essas informações foram retiradas de Sacramento Blake. SACRAMENTO BLAKE, Augusto Victorino Alves. Diccionario Bibliographico Brazileiro. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1895, Terceiro Volume, p. 487.
[2] Para acessar a obra visitar o site da FCP, Obras Raras – Acervo Digital: https://obrasraras.fcp.pa.gov.br/