Alam José da Silva Lima
Núcleo de Pesquisa
Em 1906 era publicada a obra intitulada “As Epidemias no Pará”, de autoria de Arthur Vianna (1873-1911), iminente autor e historiador, entre outras atividades, que foi Diretor da Biblioteca e Arquivo Público de nosso Estado.
Esta obra se tornou a referência para as pesquisas sobre as doenças que acometeram o Pará, desde a época Colonial até entrado o século XX Republicano. Neste artigo iremos conhecer alguns aspectos dessa obra já clássica, existente no setor de Obras Raras da Biblioteca Pública que leva o nome do autor.
A obra foi lançada em 1906, através da Imprensa do Diário Oficial do Estado do Pará. Possui 157 páginas, com o estilo de obras do início do século XX, com um certo rebuscamento na tipografia, etc. Apresenta na sua folha de rosto, o nome do autor, seguido do título acadêmico de “Pharmacêutico Laureado pela Escola do Pará”. Ou seja, era importante destacar que o autor não era uma pessoa qualquer, mas que possuía formação e competência para a redação de obra de tal porte.

O título da obra está escrito em letras chamativas em vermelho, o que era um tanto raro nas obras publicadas nesse período, que geralmente eram monocromáticas em preto. Antes da data e do lugar de sua publicação, encontramos os seguintes dizeres: “mandada publicar pelo Dr. Augusto Montenegro Governador do Estado”. Ou seja, havia todo um caráter propagandístico e político muito forte nessa época, no qual se ressaltava quem patrocinava a publicação da obra, nesse caso o então Governador do Estado. Por sua vez, Vianna dedica a obra e elogia o Dr. Augusto Montenegro pelos seus “relevantes serviços ao Pará no cargo de Governador do Estado e como tributo de affectuosa gratidão”.
Entrando nos aspectos estritos da obra, o prefácio foi escrito por um colega da área da saúde, o Dr. G. Martina. Este destaca os méritos de Vianna em pesquisar tal tema, elogiando o trabalho. O próprio Vianna escreve um breve prefácio intitulado “Duas palavras” sobre o seu trabalho, no qual explica que se tratava de um desdobramento de sua obra anterior sobre a Santa Casa (1902), que por motivos de espaço, não pode comportar o tema das epidemias no Pará.[1]Dessa forma, o estudo foi retocado e ampliado, obtendo assim, o aval do governo do Estado para ser publicado.
No que diz respeito à organização da obra, Vianna a dividiu em capítulos, geralmente compostos de duas partes. O primeiro foi dedicadopara “A Variola”,seguido de“A Febre Amarella” no segundo. E, nos dois últimos,“O Cholera-Morbus” e “A Peste Negra”. No caso, vale ressaltar que essas epidemias não foram as únicas que assolaram o Pará durante a sua história, pois existiram outras. No entanto, por questões de informações disponíveis nos registros e arquivos, não eram de todo conhecidas pela ciência ou passíveis de identificação.
[1]Trata-se da obra: VIANNA, Arthur. A Canta Casa de Misericordia Paraense: noticia histórica 1650-1902. Pará: Tipographia de Alfredo Augusto Silva, 1902.

Ao longo do seu texto,a obra possui “Mappas e Diagrammas”, contendo os dados sobre a mortalidade ocasionada por cada epidemia ocorrida, destacando os anos de sua atuação no nosso Estado.

Em todas as moléstias apresentadas no seu livro, Vianna procurou se orientar a partir das fontes históricas que encontrou, partindo dos registros mais antigos existentes nos arquivos, até os mais recentes, no momento em que escrevia seu trabalho. Também se utilizou de notas de rodapé, ao longo do texto, para apresentar as leituras dos autores e demais que utilizou para apoiarcientificamente o seu trabalho.
É comum, por exemplo, a transcrição de documentos que apoiam as suas ideias ao longo da obra. Aqui temos o destaque para a notícia sobre o uso de disparos de canhão, como medida profilática adotada pelo governador do Estado, na epidemia de 1793. Acreditava-se,erroneamente,que o fumo dos canhões tinha o poder de afastar o mal que acometia determinadas áreas da cidade de Belém.
A obra apresenta dados mais precisos para as epidemias mais tardias, como no caso da varíola no período de 1851 a 1905, muito devido a documentação ser mais abundante. Tal constatação é verificada nas epidemias de cólera, febre amarela, etc.
E um dos aspectos mais impactantes da obra, vem das descrições dos sintomas das vítimas das epidemias, retratando o terror dos que foram acometidos, dos parentes e dos que cuidavam desses pacientes, que nem sempre sobreviviam aos terríveis males. Tal detalhe enriquece a obra, lembrando dos aspectos reais e humanos dessas tragédias.
Outro aspecto a ser ressaltado é, que a obra, foi escrita de acordo com a ortografia e a linguagem da época, tendo por isso, muitos termos e palavras pouco utilizadas nos dias atuais. No entanto, essa condição não atrapalha o entendimento da mesma, e sim reforça o peso do tempo nos acontecimentos que descreve, em uma obra com 119 anos.
Na parte final de seu trabalho Vianna trata da Peste Negra, o que pode ser curioso para alguns, por se pensar que tal doença só acometeu a Europa durante a Idade Média. No entanto, tal mal chegou ao Brasil, via porto de Santos em 1899, se espalhando por várias capitais, incluindo a paraense. Vianna dá uma ênfase muito grande para esse mal, pois era bem próximo da época em que escreve, e por ter como tantas pessoas, visto o seu desenvolvimento e o combate pela administração pública.
Por fim, possui nos seus “Annexos” muitas informações, nas quais encontramos a “Relação dos atacados pela Peste Negra no Pará” entre os anos da “Primeira Epidemia-Novembro de1903 a Abril de1904”;um “Mappa dos recenseamentos e da mortalidade em Belém desde 1749 a 1905”; um “Diagramma da mortalidade geral e da mortalidade epidemica em Belém do Pará, desde 1850 a 1905”, um “Mappa da mortalidade geral em Belém do Pará 1850-1905”, e o “Mappa da mortalidade epidêmica em Belém do Pará, desde 1850 a 1905”.

Com o passar do tempo, esta obra de Arthur Vianna se tornou bem rara e difícil de encontrar, e por isso, teve que ser republicada em uma segunda edição pela UFPA, no ano de 1975. Embora conte com o texto integral e os materiais dos anexos, no entanto, perdeu o charme e o refinamento da edição original. Esta obra, na sua primeira edição original pode ser encontrada no site da FCP, no acervo digital da Seção de Obras Raras.[1]
[1]Para consultar a obra on-line: https://obrasraras.fcp.pa.gov.br/


Muito embora não apresente muitas informações sobre os ciclos epidemiológicos ocorridos no período Colonial, Vianna nos fornece um quadro bem mais completo das epidemias durante o período Imperial e inicial da República brasileira. E também trata das medidas adotadas pelas administrações no combate às moléstias, analisando os seus erros e acertos. Portanto, trata-se de uma obra ainda muito importante para nortear as novas pesquisas sobre o tema das epidemias que grassaram no nosso Estado no seu longo passado.