Revista do Ensino - v.1, n.5, 15 jan 1912
296 REVISTA DO ENSINO Não resp0ndeu. -D'onde vieste, e quem veio aqui comti go ? PersevePava muda. Instou com várias perguntas, mollificadas com_carinhos; mas não teve nem aquella diminuta satisfação que póde dar uma parede, ou um monte com os échos que d 'elle resúltão. E ainda que este mesmo silél.1cio era sufficiente resposta para se entender que o empenho n'este caso não era i::eguro, toda– via cegou-se a razão; e a mesma razão dieta ·que tomemos aqui a empréstimo, o silêncio, de quem occasionou a ruina. Levou-a depois para casç1., coberta com a sua capa (deixemol-o, que depois saberá o que leva); e não se contentando com menos que com r ecebêl-a por sua mulher; achando que sobre a sua rara formosura, bem raro era tambem o dote de saber calar, e não lhe co!)-hecerem parentes. E a seu tempo teve d'ella um filho mui lindo, com que vivia contente da eleição que fizera, e já não reparava no perpétuo siléncio de ·sua con– sorte, attribuindo a defeito natural com que havia nascido. Succedeu pois que um dia, vindo à visital-o um amigo seu, homem douto e prudente, lhe perguntou , a propósito do que se conversava, de que pátria e geração era sua mulher. -Atégora, respondeu elle, não o sei, porque a pesquei do mar como enguia. Sorrio-se o amigo, parecendo-lhe que gracejava. -Ha tantos annos, proseguio o marido, que vivemos bem casados, e ainda está por ouvir-se a primeira palavra da sua boca. -Que dizeis! tornou o amigo, é encarecimento, ou a ver– dade lisa? -Dir-'Vos-hei o que passou, r espondeu elle; e contou-lhe o caso todo. De que admirado o ami go, rompeu dizendo: -Pelo que eu vejo , essa não é mulher, mas demónio em figura d'ella. Não estranho porém tanto a sua malícia, como a vossa deméncia. Eu havia de estar assim ' com esse peixe mulher, sem obrigal-a a romper tão obstinado siléncio? Temos aqui as deosas Tácita e Muda, que a gentilidade dizia ser mãi dos Lares; ou outra Angerona, que pintavão com o dedo sobre a boca? Ah! bons açoutes nella., e logo o tirará fóra, e veremos claro o embuste. O pobre marido , ouvindo estas palavras, ficou como quem começa á acordar de um pesado sonho. E logo entrando em cólera, pegou de uma adaga nua, e ameaçou a mulher,
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