Revista do Ensino - v.1, n.3, 15 nov 1911

REVISTA DO ENSINO 139 Como saindo de sua lucarna, o rústi co desfez a g iba n~m largo mo– vimento de attitude desempenada, 'fixou- me com lucida intelligência : seus olhos perrleram o ~om apáthico que guardavam, e, j á transfigurados, (como brasei ro morrente que de súbito se ntiça), brilharam eloquentemente. De parçar ia, posêmo-nos a camiahfl. E como um homem que desperta dum longo torpoi·, e necessita exercitar– se, o Dr. Lei te .de Vasconce ll os começa a desdobrar um drama da Jin guagem, inédi– to á minha curosidacle, em que as palavrns adquer iam vi da, p'! rsonaJidade, ag iam, evocavam onomatopeas, surgiam afa madas , preferidas, triumphantes, túrg i– das de accepções, e ao depo is se tornavam tardas, exang·ue5, de~amadas, desmemoriadas de sentido, cr,mo se murchassem ao fogo do tau.tas emoções que despertaram , - momificando-se na bo lorência mor tuária dos archaismos. Alem de que, ás vezes, fi.xavam phenómenos sing ul ares, da evolução semán– tica : perdendo cer tas expressões de scntido,bem ass ignaladas, mantinham outras ,iutemeratas,-dnndo ass im a inquietadora imp ressão de estarem attaca– das de hemiplegia, com um hemi sphério. cerebral lesarlo e o outro in tacto. E, através dos campos, ao brilho fulvo dos das searas, na doçura mavi– osa da tarde extincta, em que apenas a meIDória da luz illumi mwa a am– plidão involvente,-a mlembrança da vida das palavras 11a história da língua parecia enquadmr- se marnvilh samente n'aquelle scenário em que dev iam errar ainda as saudade.ç dn s heroicos lusíadas, cçmquistadôres, poetas e solda– dos, que tão formoso falar crearam ! Dessa caminhada pnsse ira por esti vas, de fres co segadas, e j á prontas ao · novo plantio,- da ta a ebtima am istosa que nos cQnfraterniza. · A' mesma e:; k'incia, duma outra fe ita, a pedido seu, á hora pulchra dum crepúsculo escambro que morria para as bandas da Espanha evocando as tin tas panodtmicas de Velásquez, - li versos que de vez nos affe içoaram. A viria de Leite de Vasconccll o~ é um labo r in interrupto , duma fecundidade silenciosa. No seu tugúrio <l.e solitúrio da sciêucia elle se faz cercar de objectos que guardam a memói·ia dos séculos m~r tos. · Nada me era de ma is íntimo aprazimento, em Lisbôa, do que fre quental-o, ao j antar, sempre duma frugalidade iüquebrantavel: - tudo alli lembrava aépoca q1i nhonti ta: a mernva ta e in amovi vc l, ocaud ieiro de tres bicos;e, por sobre mí ulas, toríb io·, escudella~ , açafates, es padelas · a vetu tez dos moveis, a pronúncia beirôa da ama, e o sil tmcio que por v<>zes no emparedava no temor do tempo que se deixnva immoL il iza r num go lphào d~ tristezas absurdas .. . Após o repa to, penetrnvamos n o g·abinete onde as estantes negras, r evestiam l ugubremente as paredes. A mesa de trabalho a tafulhada de papeis, li vros, e ir\folios, parecia revolvida po r um redemoinho. De cada pr11 teleira um velho conhocidn me sorr ia : D. Duarte, Gomes Eirnuez d'Azürara, F ern i'l o López, Ruy de Pi na - xipltópago de Matheps de Pisano nos I néditos de Hii;toria i'orti~gu esa ,-- Fernão Mendez Pinto, J orge 1 F erreira de Vascon cello;;, e os predi lectos Luis de Camõe , Amadôr Arráiz, Bernárdez, Gil Vicente, Sá de Miranda, D. Francisco Manúel de Mello e F re i Luis de Sousa, seguindo- se ai nda galeria jnnume ravel, que não vem ao intento.

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