Revista da Academia Paraense de Letras Agosto 1953

61 REVISTA DA ACADEMIA PARAENSE DE LETRAS Passando em revista a literatura da escravidão, Amadeu Ama– ral inventariou os autores nacionais aue afloraram o assunto em seus livros : José de Alencar, no romanc·e "Mãe": Aluízio Azevedo, rias páginas de "O cortiço" e "O mulato"; Júlio Ribeiro, em várias passa– gens de seu romance· "A carne" : Coêlho Neto, através do roteiro de "A Conquist a" e nos períodos de bronze de "O rei negro", uma de suas melhores obras ; Valentim de Magalhães e Júlia Lopes de Almeida em vários contos e crônicas. A êsse rol poderia juntar-se. antecipando-se a t odos em data , um romance que tem por titulo "A Escrava", aparecido em São Luís do Maranhão, de autoria de uma orofessora nascida na cidade de São Luís em onze de outubro de 1825, dona Maria Firmina dos Reis . . O aparecimento e filmagem do romance da senhora Maria De– zoni Pacheco Fernandes, "Sinhá Moça", suscitam uma pergunta: foi a escravidão no Brasil aquilo que nos descreve o livro e nos mostra a película? Prevaleceram no ambiente da época aquelas pinceladas fortes aue nos mostram uma sociedade cruel, implacável? É autêntica, em tôda. a sua extensão, aquela atmosfera de perseguições, vinganças e brut alidades ? Temos de desconta r, necessàriamente, muitos exageros na apre– ciacão do fenômeno escravocrata . Sente-se em tôda a literatura da abolição a falta de imparcialidade na crítica dos costumes, uma vez que as obras de cada autor se dirigem de preferência a comover o sentimento das massas . E são mais reflexos da paixão que inspirou o assunto do que o documentário vivo do fato . Isto não quer dizer que o cat iveiro tenha sido, em qualquer parte, um _jardim de delícias . A instituição, por si só, era execrável. Valia pelos efeitos: mas era ignominiosa nas suas origens. Sobretudo nos primeiros tempos. antes das leis que a humanizaram um pouco, prestava-se a tôda série de crueldades e sadismos ; mas depois. graças ao espírito pa ternalista da família brasileira, sobretudo nos núcleos em que maior intimidade se estabeleceu entre senhores e escravos, as cenas de sadismo e selvageria eram menos comuns . Assim mesmo, houve casos que abalaram o sentimento do oaís, chama.ndo sôbre êles a reprovacão. o horror e a cólera das tnultidões . Sirva de exemnlo a lembranca terrível daquela fazendeira fluminense, Francisca de Castro, fazendo sentar num formigueiro a nobre negra que incidira em sua cólera . A posição em que a míser a foi entregue ao cast igo serviu para levantar uma onda de prot estos. Patrocínio e os abolicionistas aproveitaram o episódio como arma nara excitar a ira colet iva passeando o corpo da escrava pela ruà do ouvidor e outras artérias da cidade. como exemplo do que podia permitir a sêde de t ortura sôbre a servidão humana. No filme extraído do romance da senhora Dezoni não há qu~m não aprecie a beleza plástica de cer tos aspect os em que fóram focali– zadas as senzalas e a vida dos negros em seus flagrant es reais. Há cenas, porém, aue nos a rripiam oor sua crueza. porque refletem mais a intenção de dramatizar um episódio do que de pôr-nos em contacto com a realidade costumeira. Esta é muito diversa daquilo aue se quer apresentar como um fat o h~stórico, apeland9 para um sistema de torturas que ent ra em confhto com a nossa mdole. Com a serenida– de critica que o caracterizava, encarregou-se Amadeu Amaral de es– t abelecer o equilíbrio no .iulgamento das coisas : "Nem o negro era essa criat ura superior, nem o branco êsse mo~stro de maldade nem o espetáculo diário das faze~das era êsse desfilar de horrores. ' Hor– rores h avia-os. de cer to, e nao raros : mas nem por muit.o frequentes chegavam a constit uir a feição predom_inante d_as relações en t re es– cravos e senhores. A parte as explosoes de colera e de crueldade. que se registravam, a vida das fazendas era, em gerp-,1, tranquila , far~a e descuidosa . Os escravos traba ltJ_avam,_mas tambem folgavam. Nao eram poucos _os {>~nl}ores. b9gachoes ~ piedoso~ ; e muitos, q~e eram j

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