Revista da Academia Paraense de Letras Agosto 1953

REVISTA DA ACADEMIA PARÀENSE: DE LE:I'RA:S 45 atende os doen~e~, di.<:o eu, paradiando o pensamento feliz do consagrado vate– mantll?no. O medico e o ~er que. preocupado, estuda o homem.na hora truculenta; _e al_ucmantementE: longa, das grandes tempestades mórbidas. como é, também a~u~le que o contempla, satisfeito, nos instantes- ·rug:izes.... da felicidade É ~ :ed1co o~·nte que,. p_or primeiro, sorridente e jubiloso, saúda o homem ao deal– r,;ri da vida e o ult'.mo a abandoná-lo, circunspécto e grave, à beira do túmulo. ~ s do que nlnguem o médico é levado a lenir com o bálsamo santo da sua ar e. e a su?rema unção da bondade, as agruns do infortúnio. Nem sempre, porem, lhe e dado sustar a marcha daquelas grandes lágrimas sentidas - dessas qu: trazem em s~u bôjo almas despedaçadas - e que, aos borbotões, escorrem pe a face das maos : tampouco, às vezes, não_ lhe é permitido desdar o laço a~abrunhante, de amargura, que aperta e confrange o coração dos pais quand~ d".eem prestes.a P.ª:tir o filho amado parg a viagem eterna. É, então, que O mé- ico sofre a rrainhdade cruel da sua ciência e a imperfeição da sua arte, e o ~e~ olhar se volta ansioso, para o Deus Onipotente e único perante cuja von, a e tudo se dobra e quebra. "Felix qui potuit rerurn causas cognoscere", disse Vergílio, nas suas Ge?r~icas Ditosos os que podem conhecer a causa das causas. Felicissimos os rned~cos que se podem aperceber da origem d 3S doenças, · porque haverão de sentir-se melhor e mais armados para o combate. Não lhes basta, porém, pos– sui-la, mistér se faz buscar a arma assegurgdora do triunfo. Certo, ela deve ~xistir. O düícil é encontrá-la. Não há dúvida que existe, porque tudo, na Terra, e feito de antíteses. A treva se antepõe a· .Luz: à inércia se opõe o movi– mento : à mentira se opõe a verdade; à ·moléstia se oporá também o remédio curativo. . E a guerra se desdobra, tremenda, infinita, interminável, entre a rnolé~- tia e o médico. :tste sairá um dia vencido, porque ser humano algum jamais logrou e.:'capar à lei ineluU.vel, que é a morte. O que o médico procura, entre– tanto, nao é o triunfo completo, que não conseguirá n~n~a: O que êle _busca af?nosamente, exaustivamente, ardentemente é o armisticio, .ª ~elebraçao ~a tregua, durante a qu 3 1 êle põe entraves à marcha daquel_as lagnrnas que· sul– cam as faces das mães e desfaz O nó que aperta os coraçoes paternos; Dai o enfileirar a medicina as suas legiões de coplbatentes. Uns se pos– tam à cabeceira dos enfêrmos curando-os raramente, aliviando-os com fre– quência e consolando-os semp;e : 'são os médicos propriamente ditos. Outros se acolhem ao remanso dos laboratórios, indagando a causa produtora das moléstias e os meios de que podem lançar mão para ~erem debeladas. A esta última coórte pertencia Gaspar Viana. Desde os bancos acadêmicos fôra essa a sua aspiração ma!s alta. Queria P_ertencer ao número daquêles que estudam. nos acanhados limites do campo v,s~al do microscópiso, os germens que, sllen~iosarnente ceifab vidas com ~ais segurança e certeza que a metralha mortífera e estralejante na planície imensa , onde as lutas se travam, com deHrio e furor. E Gnspar enveredou sereno tendo a pertinácia como bordão e a inteil– ~ência. como lanterna, po; seáras.' nunca até então palmilhadas: com a ~esma intrepidez e a mesma desenvoltura com que, outrora, o bandeirante abria ca– minho pela selva densa e inextricável. :tste procurava o ouro e a gema pre– ciosa, gazuas que escancaram para O mortal . as por~as ão .confôrt? ~a Terra. G a~par tinha outro objetivo, muito mais nobre, muito mais altru1stico, muito mai~ elevado : _ a conquista científica. chave mlrac.ulosa capaz ~e cerrar para o ser humano as cancelas do sofrimento. E conseguiu o seu desiderato porque a árvore da ciência que êle vinha cultivando, com todo o carinho de que era capaz a sua brilhante mocidade, começava de dar opimos frutos . E mais con– seguiria ainda, assim não O arrancasse ao mundo, tão prematuramente, aos 29 anos, a morte implacável. Altaneiro condôr, da terra plana, retezando os músculos, desferiu o vôo. Com as possantes asas a flaflar, cortou célere o es– paço. Não atingiu, porém, 0 culmen da montanha. Urna bala cruel, despedida

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