Revista da Academia Paraense de Letras Agosto 1953

-REVISTÁ :ÓÁ ÂCADEMÍÁ PARAENSÉ . OE LÉTRAS ·---------------------------------------- Senhores. Gaspar Viana era um dêsses tipos singulares, que raro surgem no palco imenso da sociedade humana, nos quais o fulgor encandeante do es– pírito, a marmórea solidez da cultura cientifica, a pertinácia fecunda da inda– gação do desconhecido, correm parelhas com a pureza imácula do caráter, a afabilidade ingênita do trato e o despreendimento invulgar pela glória terrena. Cheia de heroísmos, transbordante de abnegação -decorreu-lhe a vida inteira, da qull se despediu quando mal se haviam completado quatro anos sôbre o momento em que te rminara o curso. Dotado de primorosa inteligência e de um gênio alegre e erazenteiro, Gaspar Viana era respeitado na Faculdade pela precisão de suas respostas e o irretorquível de sua argumentação. Todos os que fomos seus contemporâneos ou companheiros de estudo, haveríamos de nos precatar ao lhe dirigirmos uma pilhéria qualquer. A réplica vinha, imediata, n ão raro deixando o colocutor embatucado. De uma feit;i, na Faculdade, Gaspar prestava exame de Fisiologia. Eram três os examinadores, presidida a banca pelo catedrático da disciplina. - "Seu Gaspar, disse o professor-presidente, a sua prova está uma cois:i horrível ,eivada de ê rros palmares de ortografia que um menino de es– cola não comete" . - "Mes tre, responde Gaspar, permita v. excia. que lhe lembre, o exame que faço agora ê de fisiologia ; , preparatório de português eu já tenho". - "Está bem, retruca o professor diga-me então o que sabe sôbre fisio– logia do cerebêlo". -"Eu ? Não sei nad3, como ninguém", foi a resposta. - "Então, diz o mes tre, o sennor se atreve n dizer que ninguém sabe nada de cerebêlo ! Que desplante ! ". - "Mestre. insinua Gaspar, não sou eu quem isso afirma, é o Tratado de Fisiologia de Mont & Dyon, na opinião de v. excia. o melhor e mais com– pletado até hoje conhecido, que inicia o capitulo .~ar es ta form:i : "ainda hoje nada se conhece de positivo sôbre a fisiologia do cerebêlo". . . Ora, se Morat & Dyon, tr.1tadistas de renome universal declaram que não sabem nada, imagi– ne eu. . . e muita gente". Os professores entreolharam-se, sorrindo, e o arguidor, vermelho como um pimentão, vendo cravados sôbre si o olhar brejeiro dos alunos que assisti– ram à prova, .ainda mais excitado, crivou de pergunt1s a Gaspar, delongando o tempo destinado ao exame. Mas não houve m eio, a resposta vinha sempre pronta, e o mestre, justo como era, não ·teve remédio senão d .1r uma nota alta. Voltando à "república", dizia Gaspar: - "Sai-me bem dêsse negócio, mas o professor tem razão, um médicó deve saber escrever a língua que fala . Vou estud.1r português'.' . Tempos decorreram e Gaspar, distraído por outras preo– cupações, parecia ter esquecido o assunto. Puro engano. Uma tarde entra êle radiante, n a "república", frenético a agitar uma gazeta "Olhem, bradou, en-' tur,íasmado, o fonetismq está vitorioso, a Academia acaba de adotá-lo em tôda a linha, dando em· pentanas com a <ãtimologia. Não há mais necessidade de a gente s e preocup!ir' com o dobrado das consoantes c_ quejandas complicações. Qual grego ! Qu31 Iatiín ·1 Nada como a ortografia moderna I Safa, que pulel uma fogueira" . · F nssim, por entre galhofas e risos, Gaspar atravessou o curso todo, sem j amais o descurar . Senhores. " Non ignara mall, miseris succurrere disco". Conhecendo a desgr _c;a , a prendo a socorrer os dosgraçados. Ao pa r da moléstia., melhor se

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