Revista da Academia Paraense de Letras Agosto 1953

18 REVISTA DA ACADEMIA PARAENSE DE LETRA$ parazfta estava morto e a terrível palmatória parecia mais nova, mais pesada, mais rija ! ... Ao t erminar a sabatina, escrevi no meu caderno de exercícios os primeiros versos infantis e ofereci-os à minha namorada Ana Leite, também de 11 anos de idade, a menina mais linda do meu tempo ! Rosada, cabelos longos e negros, olhos de castanha assada, grandes, austéros e respeitáveis ! Pareciam dois elefantes, não comparando mal! Eis os meus primeiros versos : A palmatória da professora doi tanto, tanto, na minha mão ! Já coloquei um piolho dentro e a bicha é dura ! Não racha, não ! Hoje; sim, sou rico, mercê de Deus, muito rico . . . mas, na– quele tempo, eu era pobrezinho. órfão de mãe, possuía no quintal apenas um pé de catolé cujos frutos levava para a Escola e trocava– os por pão, com a minha namorada .. Nasceu numa troca de merenda o r.osso amor ! Ao~ domingos, íamos, eu e a família de Naninha, como a tra– tavam na intimidade, passeiar e tomar banho de mar, numa práia denominada "Areia Preta". Eu, Ana Leite (Nanínha), Pedro Leite, Chiquinha Leite, Josefa I..;eite e sua cunhada Maria Leite. (Tanto leite, e eu era tão magrinho ! . . . ) · Encantadoras manhãs das práias de minha terra ! Numa des– sas manhãs de domingo, ao regressar à cas3:, confesso que, sem nen– huma aspiração de futuro, escrevi à Ana Leite, esta cartinha em ver– sos! Naninha: Demanhãzinha, quando me acordo, a l uz bemdita do sol me encanta ! Tudo recordo nesta hora santa, tudo recordo ! Quando corremos na Areia Preta, com tantos morros para subir . Olha a mareta, olha a mareta como vem alta pra nos cobrir! ' Depois do banho, como cansaste fugindo às ondas junto ao rochedo ! Ah ! coleguinha, como ficaste com tanto medo, com tanto medo ! Sem mais, desculpe Pinagé. • Ao dia seguinte, na Escola, Ana Leite, de posse dos versos, in– gênua, coitadinha, mal soletrando. as J?ªl!lvras, foi .mostrá-los à pro– fessora. Isso serviu para que, dai por diante, a mmha bôa mestra e os meus colegas, em tom de pilheria, me apelidassem de poeta ! Es– tava escrita a minha predestinação. Poeta! ... fraze que, até hoje escuto como o proscrito judeu da tragedia cristã, tantas vezes escutá~ ra : Caminha ! Caminha, Belibeth !

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