Revista da Academia Paraense de Letras Agosto 1953
REVISTA DA ACADEMIA PARAENSE DE LETRAS 1'7 MEUS PRIMEIROS VERSOS Rodrigues Pinagé (Cadeira 36 - Terêncio Porto) Aqui descrevo hoje para apreciação . dos generosos leitores o episódio marcante da minha trajetoria pelo mundo das letras, a cujos passos trôpegos, no bailado da vida, sangro os pés poeirentos, à pro- porção que o cérebro floresce. . Pelos idos de 1906, quando eu contava apenas 11 primaveras, certa manhã, em Natal, a cidade dos Reis Magos, fiz os primeiros versos. · Aluno da professora Joana de Morais, a esse tempo diretora de uma Escola Primária Particular, que funcionava em sua residência, , à Rua dos Tocos, hoje Rua 21 de Junho, entre a travessa dos Malhei– ros e o Bêco do 14, ali recebi a luminosa unção dos primeiros rudi– mentos, isto é, comecei a aprendizagem de lêr e escrever as letras do alfabeto, assim como os algarismos hebráicos e romanos. · . Era ao tempo em que se soletrava querubim· co111 e h, céo com c cedilhado e pronunciava-se Prepeta Bapitista da Assumpição. Em 190?, um ano antes, passáramos da carta de A B C pai;a o 3. 0 livro de ~ehsberto de Carvalho, visto que já sabiamas lêr corretamente a úl– tur.a págma da preciosa cartilha, escrita com as seguintes linhas : "A preguiça é a chave da pobreza" ; "A perseverança vence tôdas as dificuldades"; "Quem não ouve conselhos raras vezes acerta" ; "Mais vale adormecer sem ceia do que acordar com dívidas"; "O homem pôe e Deus dispõe". Aprenderamos de cór as linhas acima, nós, alunos e alunas da modesta Escola, trocando violentos bôlos de palmatória. A pesada férula era de aroeira massiça, com 8 centímetros de diâmetro e 3 de gr0s~ura. Pesava como quê e tinha um buraco no meio. Os mar– _cene1ros fabricantes justificavam que o tal buraco era feito para que o ar não ficasse comorimido entre a madeira e a mão do aluno, pro– du1indo calo de sangue. Todos nós desejavamos dar sumiço à malvada palmatória. Mas e_ra difícil porque quando terminava a sabatina a professora tranca– f1;;.va a bruta na gaveta de sua mesa. Um dia, Antonio Guajú nosso colega, chegára cêdo à Escola e balbuciara ao meu ouvido, ~m remédio formidável ! E tirando do bolso um embrulhinho de papel : . . -_Olha, Pinagé, achei este piolho na cabeça da vovó. Va~os mtroduz1-Io no buraco da palmatória . Quando a professora aplicar o primeiro b'ôlo . . . pronto ! A bicha rachará, meio a meio ! ... Foi a mamãe que ensinou quando mostrei a minha i:não inchada. Quarta-feira. Sabatina a dois. Coube a mim a palmatória para fazer as primeiras perguntas a um outro coléga de nome Chico Gordo (Francisco) um mundo de inteligência! Coloquei o piolho no buraco e tapei com uma bolinha de papel. Qual ! . . . que rachar, que nada ! . . . Esse dia, apanhei mais que em todos os outros ! Sábado seguinte, tirei a bolinha de papel. O
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