Revista da Academia Paraense de Letras Agosto 1953
16 REVISTA · DA ACADEMIA· PARÁENSE.. DE LETRAS lhões que profanaram o Templo. . . E o velhinho fura vingar-se, desta vez, daquêle sacrilégio de judiarem. assim, com a cegueira da n eta. Que havia de fazer ,então? Fez esta coisa imprevista e mal– aventurada : sem dizer nada à menina, enfiou oelo roçado, trouxe de lá um punhado de sementes de pião. pisou-as bem pisadas, misturou tudo com o leite de côco e a massa de milho, e fez os cuscús ... Mal amanhecera o dia, lá estava Davina "vigiando", de olhos apagados e o seu sorriso de cega, sentada naquele banquinho de ca ixa de sabão, tendo ao redor de sí a maldade dos homens e a treva do seu destino. Velho André. sempre a vender raízes de maniva e a empurrar seu carrinho de mão. andava oeleiando na lida de todo dia, acima e abaixo, mercando pelas ruas. Vende aaui, vende acolá, mas o sentido está em casa, velando pela "bichinha" cega. Davina, também ela, acompanhava com a mente os passos do avô. do "Pai véio", não lhe saindo da idéi~ o tormento daquela "pensão", doida que_,o velhinho chegasse... . . . · De repente, a voz tutelar de v elho André, vinda do outro lado da vala, acaricia os ouvidos da netinha, constantemente à escuta : - Davina, vendeu tudo·. mia fia ? - Nhor não, pai véio ! Os cabra hoje não vinheram ... De fato, não tinham vindo mesmo. Parece que o diabo, eterno aliado d_os que i:enderam a alma à_ tirania do Mal, lhes havia soprado aos ouvidos a vmgança do_ nordestmo. . . E quem havia de vir · quais os justos que haviam de vir pagar oelos pecadores ? ' . Vieram, coitados\ já à -hora de r_ecolher o tabuleiro, os pol?res menmos da co_madre Zefl~ha, ~el?a amiga da case!, mãe daquêles ino– centes, e ~ue 1~ tendo o mfortu~10 de perder os filhos, desfigurados e lasso,s de ago_ma, de tanto vomitarem, com as sementes de pião, os cuscus que nao furtaram ... Quanta perplexidade para o espírito : claudica o pecador, quem paga é o justo !
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