Revista da Academia Paraense de Letras Agosto 1953

.142 RE'VISTA DA_ AC.ADEMIA · P~AENSE DE LETRAS LUC.l:A ·- '(Alg-o ·assustada) - Que queres dizer com isso ? OTAVIO - (Perverso) - Que repeles teu marido màs que, como tam– bem o temes, vives eternamente representando diante de seus olhos. LUCIA - (Eneri;lca mas atemorizada) - Mentira 1 OTAVIO - Talvez o seja. Mas o teu protesto é fragil demais para su– focá-la para vencê-la. · LUCIA - Queres dizer que não amo Julio ? OTAVIO - Isso mesmo. Será que foi preciso fazeres um extraordinário P.sfõrço e inteligência para compreenderes? Julgo que fui bastante claro. LUCJA - (Abanando nei;atlvamentc a cabeça, mas com certa fraqueza) Enganas-te, meu irmão. Amo meu marido. OTAVIO - (Rapido e com rispidez) - Não! 'LUCIA - Não? Teimas em afirmar-me tal absurdo ? Sabes que vou ser mãe? OTAVIO - E isso que importa? Muito ao contrário·. Contribuirá para que o ,deteste mais ainda. · LUCIA - Por que? OTAVIO - Porque pensas, ás vezes: este •filho bem poderia ser dele. LUCIA - (Assustada) - Dele? De quem? OTAVIO - De Aurtur. LUClA - (Admirada) - De Artur ? · OTAVIO - (Repetindo·) - Sim, de Artur. LUCIA - (Levando as mãos à , cabeça) - Otavio ! OTAV,IO - Nasceste para ser dele, para pertencer-lhe e ninguém te •defenderia melhor, ninguém te protegeria com mais fé e mais amor. (Faz uma pausa e muda de tom) - Sabes que nunca vi teu marido ? LUCIA - (Num palldo protesto) - Mentes . Algum dia, hoje ou, ontem deves ter, curiosamente, o espionado. Não acredito que nada te reste de humano . OTAVIO - (Irritado) - Nunca o vi. Nem preciso vê-lo jamais . Basta– me que o imagine . Talvez seja um velho . Sim, como é comerciante, talvez seja um velho, calvo, imbecil e impertinente, que só sabe perguntar-me se quero livros ou re vistas. Talvez seja um cinernatografico galã, daqueles que cansei de ver em filmes seriados, vencendo obstáculos impossíveis e bandidos. Se, assim fOT, lamentavelmente este obstáculo êle não conseguirá transpor como a11tes saltava sobre abismos e escalava perigosas montanhas. LUClA - (Quasl soluçando) - Cala-te, Otavlo, cala-te. Ou preferes que me va embora ? OTA vro - Não tens coragem para fugir . Sentes uma necessidade que é quas! urna volúpia de ouvir-me . Nós sentimos, poucas vezes, mas sempre sentimos de vez em quando necessidade da verdade. (Muda de tom) Mas ... eu falnva de te~ marido. Onde o conheceste ? LUCJA - Eu ... OTAVIO _ Não precisas dizer-me . Eu sei. Foi numa festa, num baile. i;: sen,pre assim. Não poderias liberta-te do vulgar, o que, aliás, é muito hu– mano. Dan~ou contigo a primeira vez. Tornou a dansar. Que te disse ao ou– vido.? Ora . . . as mesmas palavras, as mesmas as neiras que, dai a pouco, te repetiu na terrasse. sob o luar. Asneiras que n ão te repete hoje e das quais sentes fa lta, ein ? Essas asneiras, esse ridículo lirismo, ainda dão ,.1egria, são ainda. como diria qualquer des tes nauseabundos a utores dos romances ameri– canos que teu marido me traz, uma grande parcela . da felicidade. LUCJA _ (Num vlsivel sofrimento) - Otavlo, pelo amor de Deus. Estás sendo perverso. ./4

RkJQdWJsaXNoZXIy MjU4NjU0