Revista da Academia Paraense de Letras Agosto 1953

lÍEVisTA DA 1\'.CAÓEMIÀ PARAÉNSE Í)EJ LETRÀS. curam apenas engana r-me. Procuram enganar-se também entre si, mentem um ~o outro e, assim, vão vivendo tranquilos e f elizes. As vezes, devem agradecer aos ceus não me te r e u tra nsformado num obstáculo ainda maior. Mas nem porisso, nem ao menos pelo pouco incllmodo que lhes ca uso, t êm pará mim um pensam ento, um simples pensamento que seja, de graUdão . · A expressão de HELOISA é de espanto e admiração.· Nunca p ensara em ouvir o que lhe está sendo revelado pela voz de OTAVIO. Ha dentro dela uma tremenda duvida, agora, quanto aos senUmentos de seus patrões em relll_ç_iio ao rap:;.z doente, ao filho, ao Irmão. HELOISA - Custa-me multo acredit ar no que o senhor está dize ndo. Ain da ontem, ouvi dona Margarida dizer à mesa : por que Deus n ão _se com– pad ece, não faz um milagre, e cura Otavio ? OTAVIO - (Rindo) - Intimamente, essa p alavra queriam dizer : por que o dia bo não carrega logo êsse desgraçado pa ra as prof unda do inferno ? HELOISA (Angustiada) - Credo, senhor. OTAVIO ! Por Deus, não diga uma cousa dessas . OTAVIO - Ou talvez, quem sabe lá, ela estivesse sendo sincera pela primeira vez . Porque, uma das verdades também, eles têm medo de minha morte. - HELOISA - (Assustada) - Medo de sua morte ? OTAVIO - .Minha morte seria a revelação . /1:. m orte exige uma serie de explicações aos vivos e essas explicações tornariam claro e compreensivel aquilo que antes era mistério. HELOISA - Não acredito, senhor Otavio, n ão acredito em semelhante maldad e. OTAVIO - Porque não os conheces, ou m elhor, não prete ndeste ainda decifrar os gra ndes enigmas . (Muda de Tom) Qua ntos anos tens? HELOISA - Vinte e um . OTAVIO - És uma cria nça ainda. Mas, queres que te diga uma cousa ? Gosto de li. ÉS a unica, nesta casa, com quem sinto vontade de conversar• P enso m esmo que seria capaz de te faze r as grandes confidê ncias e de te re– velar os grandes segredos. A outra empregada e ra uma insuportável mulher que sabia a penas pe rg\lntar se o chá estava que nte e se a comida me estava agradando . .Fazia-me um terr lvel mal aos nervos e eu a detesta va · Abre-se a · porta do quarto da esquerda e CRISTOVÃO entra em cena. OTAVIO, como se lhe tivesse ouvido os passos, sllencla.- CRISTOVÃO - Que estás fazendo aqui, Heloisa ? HELOISA - Esp ero que o senhor Otavlo t'ermine o café para levar a bandeja. CRISTOVÃO - Não vejo nenhuma necessidade de esperar . Quando êle acabar tocará a campainha chama ndo-te. HELOISA - É que . OTAV[O - (Atalhando-a) - Ela estava conversando comigo . CRISTOVÃO - (Admirado e melo assustado) - Conversando ? · OTAVIO - (Rlspldo) - Sim, conversando. Ou será que ex is te alguma lei que o proiba ? CRISTOVAO - (Humilde, desculpando-se) - N1io. Não quiz dize1· o que pensa-ste . OTAVIO - Não pensei em nada . CRISTOVÃO - (Numa t entat iva de mudar de assunto, d!tndo :l voz um t om paternal e umlgo) - Mas . . . como estás passan do, sentes alguma cousa ? OTAVIO - Nada . Não s in to cousa a lguma. · Estou passando lldmlravel– mente ·bem de saúde e nada- a tormenta minha conciê ncia . P ode dizer a Mar- 3arida que o pccjido . dela aos céus t alvez seja a te ndido brevemente.

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