Revista da Academia Paraense de Letras Agosto 1953

' kEVISTA Í>A ACADEMI·A PARAENSE DE LÉTRAS OTAVIO - Não. Muito obrigado. JULIO - Então, até logo. OTAVIO - Até ligo. 131 JULIO vai saindo. Cruza com HELOISA que acaba de subir a escada e vem trazer o café da manhã para o•.rAVIO. HELOISA bate à porta do quarto do doente. O'l'AVIO - Quem é ? · HELOISA - Sou ell, senhor Otavio. Vim trazer o seu café. OTAVIO - Um momento. Eu já o recebo (Faz uma pausa) serás capaz de dizer-me ha. quanto tempo se vem repetindo esta cêna ? HELOISA - Não, senhor. OTAVIO - Eu também, pelo que parece, já perdi a noção do tempo. Mas tu, tens razão, não o podes sab'er. Ha tão pouco estás servindo em nossa casa . HELOISA - Ha três meses. OTAVIO - Aliás, já ha uns dias eu pretendia perguntar-te se a_ntes de te contratarem te avisaram de que serias obrigada a fazer este serviço, que nada tem de interessante. HELOISA - Avisaram, sim senhor. OTAVIO - E não ficaste apavorada? Não tiveste medo de mim? llELOISA - Não, senhor. . OTAVlO - (Dando uma gargalhada) - Sei muito bem, embora penses o contrário. porque não tens escrupulos em servir-me. Conheço os verda– deiros motivos . HELOISA - Conhece ? OTAVIO - Conheço. Sei perfeitamente. Recebes um ordenado inve– javel . Um ordenado suficiente para causar despeito ao mais bem remunerado dos funcionários públicos . Um solário que deixo de ser propriamente salário para passar a ser suborno. HELOISA - Súborno 1 Entreabre-se a porta, surgindo do Interior do quarto u•a mão disforme e enluvada que recebe a bandeja. OTAVIO - Sim, um suborno. Pagam-te para que silencies. Para que não digas a ninguém o que se passa nesta casa e particularmente comigo. A empregada que substituíste meu pai pagou, além de uma exorbitante impor– tância, a passagem para que se afastasse da cidade . Não é verdade? HELOISA - Se o senhor sabe de tudo Isso, por que então me pergunta se é verdade ? OTAVIO - Estás, tal qual o outro, cometendo ·uma chantagem incon- cientemente . Mas sabes por que todas esses sacrificios por minha causa? HELOISA - Naturalmente que sim. Seu pai mesmo me disse . Aliás, de pois , o senhor Julio o confirmou . OTAVIO - Que te disseram? HELOISA - Ora. o senhor deve saber . OTAVIO - Talvez níio saiba . Ha multas cousas que desconheço, mui- tos mistérios que ainda não se esclareceram para mim. Como sabes passo dias e dias em que da voz humana ouço apen,s " bom dia, bôa noite,.. ao que, muitas· das vezes nem respondo . É justamente porisso que pergunto o que eles disseram . ' HELOISA - Disseram-me que não querem que saibam que o senhor vive aqui porque senão viriam buscá, lo e o levariam _para lon11e .

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