Revista da Academia Paraense de Letras Agosto 1953
ibá REVISTA DA ACADEMIA. PAfÍAENSE bÊ LETRAÊI SERAPIÃO·· ···· Alvaro da Cunha (Sócio correspondente no Território Fêderal do Amapá) Serapião não fuma nem bebe ; tem fartos cabelos brancos. 4m rosto sem rugas, mas um semblante apos.tolar, vivido e mac,erado, 1s que o velho Serapião já sofreu muito. Isto· é, dizem que sofr_eu, mas ninituém sabe quando, como e nem porque. Tenho em mim que vive meio deslocado ; outros afirmam que não, que éle está muito bem ; o "ar ·diferente" é coisa de filôsofo. Filósofo, pela so– lenidade ·enfática dos gestos, no niodo de andar,· no celibato que se Impôs vo– luntariamente. e pela maneira pacifica de aceitar a vida. O que assistir:1m os seus olhÓs gla4cos e profundos. valeu-lhe, entre ou 0 tras virtudes , a human:1 sere;...id:ide 'com que perdoa e entende ::,s· humanissimaa fraquezas dos seus semelhantes. Proclama constantemente que a expressã o é a vld:r .' E nesse esfôrço <liário: entre a definição e a legenda, adquiriu o dom da prossa e uma extrema facilidade de palavras . Além disso, é de Ver o corte · Impecável dos seus t ê rroos, a inde fectível gravata borboleta, sentir o seu per– fume de pêcego maduro, e· outr9s det.alhes personallssimos da figura alvadla e ale~e de Serapião. ., . Encontrava-o diarinmente ao s:lir do trabalho : suave, sereno· entre âmi– gos angus tiados e tristes, como· se êle, sómente êle, não envelhecesse, como se no ja rdim do seu espírito, ao invês dos rigôres de um septuagés.imo dezembro, florisse uma perpétua juventude. · Mai; s~mpre há "um dia de tristeza e dé sonâncias fúnebres". Era de tarde. ·Eu tomava cervej:i . Serapião preferia água mineral. Conversou, conversou, e depois disse que estava anoitecendo . Mas não fazia mal. - i;:, não faz · mal, Cunha. Eu sou como ~s lanternas : brilho só à noite. Era verdade. Não apenas brilhava. Serapião resplandecia. Contou que fôra- um bom poeta nos dias da juventude . Guardava no coração mãguas dis– tantes, paSSl)das alegrias, e sem que ninguem percebesse sofria, chorava lá no intimo o cetiéismo de um desencantado. Indaguei a• razão emotiva dessas mãguas. - O que é que há ? O que lhe faz sofrer ? Conte . . . - eu animava. E pela expressão dos olhos do amigo, acreditei que o seu drama' passio- nal seria algo de profundo, violento e triste . Mas não ern. o seu "caso", multo ao contrário, e contado como foi, estava salpic:ido de alacridade e de bom humor . * * ;:,C Há vinte anos atrás , quando os seus cabelos principiavam a encanecer, Serapião viveu sua última aventura . Apaixonou-se, com êsse amor tardio e Inexplicável que invade certos co-• rac;ões m aduros, ::ntes que se decid:im a abandonar de todo os derradeiros quar– teis da · juventude. Foi correspondido - não p or amor, porque seu nobte aspécto jú inspi– rava msis veneração do que ternura, - mas foi correspondido, galantemente, p ela m ::Ucia e pelo jovem despudor de sua noiva, uma bo heca trêfcga e m o– derna. q ue achava graça em ter aos seus p és, tão adorados pela Juventude, um peait.,..te coração de cinquenta anos .
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