Revista da Academia Paraense de Letras Agosto 1953
RÉVISTA DA ACADEMIA ,PARAENSE DE L~R-AS Diga-se de passagem, que nessa época existiàrn dez vezes ·mais in• divíduos de raca negra, que na atualidade. O cheiro das lanças-perfumes "Rhodo" inebriava o ar, com aquêle odor característico que é apanágio da côrte do Rei da Folia, e tanta vez, tem assinalado recordações saudosas de econtros passionais. Depois, o fervilhar da multidão, o acúmulo de fisionomias novas e rostos bonitos emprestavam ao ambiente circundante, prenúncios de batalha, em que se iam decidir as púgnas do prazer, presididas pela onipotência de Momo. Aluísio Pena, em companhia de dois íntimos amigos, Rando}!o Serrão e Mariano Léda filho, tipos elegantes e requestados de ·-valsis– tas eméritos, decidiram-se a percorrer os salões para ver se desco– b1·iam gente de intimidade, e também cara& desconhecidas. Ambas as alcovas do prédio achavam-se apinhadas de dançarinos ávidos de que se iniciassem as danças, e abriam para as·salas da frente, as quais, continham em volta ao longo das paredes, filàs cfe cadeiras, tôdas ocupadas por moças. Mas, como em tôdas as festas daquêle tempo, em que o Feminism9 era letra morta, o número de rapazes sobrepu– java o de mulheres. Por isso, havia os compromissos com antecedên– cia, assinalados nos "carnets". "- Já tenho para tôdas, dizia uma moça a um pretendente. - "Só se fôr na 4.ª valsa ou no 6. 0 tango" - dizia outra. E a disputa entre os moços parecia luta entre guabirús. Só dançava quem tinha conheci– da, ou fama como "pé de valsa". Não sendo assim, fazia crochét. Na sua digressão pelos salões, Aluísio Pena e os seus compa– nheiros, iam notanoo num ues1umo1a111e1,to, a elegância e a beleza da mulher patrícia, sobretudo, da mulher paraense, que se ostentava ali, com galhardia, assemelhando-se aos legítimos nenufares das lagunas amazônicas, na comparação feliz de Mariano Léda, que algumas vezes era literato. "Flôr excelsa ! ... " "Vitória régia ! ..." Como já haviam dito os naturalistas ... Era delirante. Mas, sobremaneira, uma dessas beldades o comoveu, a êle que ·se ju,lgava invunerável. Era de talhe esbelto mas forte, morena, que pelo longo das pes– tanas parece que trazia os olhos semi- cerrados, o que lhe dava um ar delicado e misterioso de pitoniza do amor. . _. Aluísio Pena notou a beleza da joven desconhecida, a su_a insen– s1b1hdade aparente, perante o mundo que a cercava, o seu vestido azul, - assemelhando-se ao de um querubim que vira numa gravura de santo ... Bela e orgulhosa, perfeitamente consciE:nte do seu valor, · de uma na– tureza fria, cujo porte fascinante se p1;1recia com o de uma hourí, pos– suía el~ o suficiente encanto para impressionar um jovem eivado de romantismo como o nosso herói. ULTRAJE Os núll?eros de danças sucediam-se com pequenos intervalos. Polcas e maxixes estrondavam, fazendo agitar-se aquelas centenas de pares, como um oceano de cabeças. Era o reinado do Carnaval. Entre os espectantes, as conversas, os incidentes, as pequenas intr_igas se multiplicaviim, dando trepidante animação à serenata, cheia de s,urpresas e misteriosos encantos. . . Alu1s10 Pena observava a moca que lhe prendera a atenção, e via-a requestada por uma pleiade de admiradores, candidatos às contradanças. Ela atendia com frieza e ia dançando tôdas ; e quando se sentav3:,, ia agitando o leque com' ares levemente entediados. 11:le Ja a <;omparava a uma hourí pela gracilidade da sua bele~a, mas agora,d~v1do o seu gesto dl:l majestade, julgava-a tal uma pr11)– ceza da Pers1~f . dps tempos faustosos de Dario, ou talvez urna filtia nobre de Ba_b1 orna _acostumada a mandar hordas de escravos. Lem– brava-se entao d~ história antiga. Devia ser assim ... Esteve muito tempo em muda contemplação, quando surgE:-
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