Revista da Academia Paraense de Letras Agosto 1953
I REVÍSTA DA AÓADÉ?,ÜA j:)AÍiAENSE DE LElTRAS 1Ó1 CONTO DE A.NTANHO (ESTUDO DE TEMPERAMENTO) Murilo Menezes (Cadeira n. 13 1910 D. Romualdo de Seixas) NAQUELA noite de sábado gordo, já eram 8 horas e -chovia torrencialmente. _ Aluísio Pena deu os últimos retoques à gravata, pulverizou o fato marron, novo, da entontecedora essência de Houbigant. "Coeur de Jeannete", - e depois foi olhar, da janela, a marcha da tempestade lá fora. A chuva declinara. Defronte, na esquina da Dom Romualdo, um gramofone garganteava "Talento e Formosura". Aluísio, tipo do ca– boclo civilizado, elegante, com o cabelo brilhante de pomada, negro como aza de côrvo, preparava-se para ir a uma "soirée" à 'fantasia, no "Clube Internacional", sucessor do "Ernesto Mattoso", no Largo de Na– zaré, residência da familia Trindade: O "Internacional" era um grêmio da elite, que naquele ano, .:_ 1910, - resplandecia como estrela, na via-látea do nosso mundo elegante. tle lá encontraria os amigos, as princezinhas dos saráus - ver– dadeiras criaturas de sonho, que faziam as seratas se transformarem em autênticos paraisos. . Havia mais, músicas da moda, os sambas, ou tan~os, como se cha– mavam naqueles idos ; as valsas nacionais ou européias, as quadrilhas, as schottis, as polcas, os calke-walkes americanos, como êsse "Georgia", então, famoso. E também, as fantasias carnavalescas, aprimoradas a capricho, como novidades dignas de serem vistas porque, naquelª época, baile de entrudo, com outra idumentária para as damas, redundava em fracasso. e eram admirados os pierrots as colombianas, os arlequins, as pierretes, • provocante;>, langorosas, fugi'tivas, e os simples dominós misteriosos, de esc1:1ro, ~ a~ vezes, os mascarados espirituosos, com os seus _enormes narizes a Cirano ; ou outros sem graça, pelos cantos verdadeiramente cabulosos. ' -'- Sai pira ! - dizia -consigo. E sorria-se, satisfeito, antegosimdo ~'!1ª completa noite de delícias. E no dia seguinte, à tarde, Dommgo, ina dar uma volta pela Praça da República, para ver as caras estremu– nhadas da;i _heroinas da vés{)era. Seria fantástico ! . . : Aluisio, que morava a Rua Oliveira Belo, saiu para tomar o bonde na esquina da Av. Generalísslmo Deodoro, então ainda se~ cal– çamento e passeios laterais de cimento • só tendo cercados e mais cer– cad~s de a~bos os ladÕs, contando da banda par, modest,as . rocii:ih~s. e da impar, _simples casebres cobertos de latas. O bonde eletnco so tmha um ano ~mda de instalado. . A agua rumorejava pelas valetas. em re~ultado da chuva ~orren- cial. ,Os tx_-amways vindos de baixo. do Ver-o-peso, passavam chei_os na– quela, l}01te de sábado, com os operários ret?,rdados pel<? recebimento das ~enas e compras de última hora. Mercenas abertas murydavam as esQUll}as de forte claridade, que de.pois com· o ardor de v:~1culo, des– vanec1a~se, pela obscuridade trazida pelas frondes goteJantes das mangueiras. Noite rumorosa de Carnaval! ... . E êle seguiu afinal, ·num carro, cm _que o barulho das ferragens ia ammando a rua elamead_a_e escura.
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