Revista da Academia Paraense de Letras 1968

84 JOSUÉ .V.ONTEHO momento me dominassem. Depois, pensei que as emoções profun– das são por vêzes traiçoeiras. O melhor era pôr no papel o que ve– nho sentindo desde que voltei ao cenário de minha juventude. Nada de confiar cegamente na fluência da palavra. A língua escreve por nós, ensinou-nos João Ribeiro, e a vida também, ensinou-me a própria vida. Mas é preciso ter em mente o que se passou com Unamuno, de acôrdo com o que nos conta Duha– mel num dos volumes de suas memórias. Exilado em Paris, longe de sua Universidade e de sua cátedra, estava Unamuno na residência de estudantes, vivendo de artigos que mandava para os jornais de Buenos Aires e do México, quando Duha– mel, seu amigo, reuniu um grupo de estudantes para prestar uma homenagem ao mestre espanhol. Unamuno, fiado na fluência da palavra, não levou o seu dis– curso escrito. No momento de falar, olhou os jovens, olhou Duhamel, em silêncio, ar aflito, e afinal escondeu o rosto nas mãos, começando a chorar. Duhamel, com um gesto, pediu aos jovens que saíssem da sala. E ouviu de Unamuno estas palavras, assim que a emoção se atenuou na consciência do filósofo : - O senhor desculpe o meu fiasco. É que eu, há bastante tem– po, não falava aos estudantes. Meu caro Presidente, senhores acadêmicos, minhas senhoras, meus senhores : tomei a iniciativa de escrever êste discurso, no meu quarto de hotel, porque faz agora. trinta e um anos que eu não fa– lava aos paraenses.

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