Revista da Academia Paraense de Letras 1968
82 JOSUÉ MONTELLO NA ACADEMIA PARAENSE DE LETRAS ruas, as suas ladeiras, aquela claridade incomparável que se derrama pelo fim da tarde sõbre os seus velhos telhados escuros, na Praia Grande, no Destêrro, no Largo do Carmo, na Praça dos Remédios. Há três ou quatro anos, porém, ao urdir a novela que dá titulo à coletânea "Duas vêzes Perdida" senti que minha imaginação, em vez de me dar apenas o cenário de São Luís, levava-me a unir São Luis e Belém, nas grandes linhas estruturais da nàrrativa. E o certo é que, transposta, para o papel da escrita, essa no– vela foi considerada, pelos que têm ajuizado de meus trabalhos de escritor - como a que melhor exprime, até hoje, o meu pequeno dom de criar e r ecriar, em têrmos de ficção literária. Ano passado, ao preparar um nõvo livro de novelas que sairá êste ano, "Uma Tarde, outra tarde", tornei a. sentir Belém refluir à minha pena, e daí a novela, "Um rosto de menina", que abrirá o livro e na qual recordo os dias que aqui vivi, com a minha farda cin– zenta do velho Ginásio Paes de Carvalho. Quer isso dizer, meus amigos, que não é a.penas São Luís que escreve comigo - é igualmente Belém, na hora alta de minha ma– turidade. Isso me leva a reconhecer, que sou também daqui, com as emoções que se amalgamaram ao meu espirita e que refluem ao lume de minha consciência no momento em que a pena do escritor toca o papel, alvoroçada pelo mistério da criação. Belém é para mim um reencontro - o reencontro do homem com o adolescente que eu fui nesta cidade. Andei agora a rever-lhe as ruas, as igrejas, os amigos de ou– trora, e foi êsse adolescente que andou comigo pela João Alfredo, passou defronte do velho prédio da Biblioteca Pública, interrogou com o olhar o prédio da esquina, querendo saber o que foi feito do Café Manduca. Aquêle quarto suspenso no ar, que Manuel Bandeira descre– veu num poema evocativo, é para mim o casarão do Estado do Pa– rá : vejo-o à revelia do arranha-céu que ergue ali a sua ossatura de cimento armado. Pouco importa que os pedreiros façam retinir ali as suas ferramentas de trabalho - o que ouço é o rumor cadencia– do das velhas linotipos que compuseram em 1936 os meus primeiros artigos no Pará. como deixar de ver Santana Marques, por trás de sua larga mesa de redator-chefe, rodeado de livros, a. pena indo e vindo do tin– teiro para o papel ? Ou o Machado Coelho, vergado sõbre um livro, a espionar quem chegava por cima do aro dos óculos, sempre com a língua afiada para o exercicio da ironia ? Por onde anda o E gdar Proença ? Olho o nosso Presidente, e o que vejo, para contentamento meu e dêle é o De Campos Ribeiro de há trinta e dois anos, já gran-
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