Revista da Academia Paraense de Letras 1968

78 SOUZA MOITTA Os espetáculos, porém, dos festivais de Espanha, no teatro de arena, à sombra da estátua de Felipe III, são uma complementação da temporada operística, de cunho eminentemente artístico e de alta expressão cultural, sem despresar, no entanto, o manancial folcló– rico, presente nas farsas e no cancioneiro popular, estilisadas na me– lhor tradição dos velhos autos e do ballet espanhol. E ali estava eu, numa "butaca" de orquestra, por noite quente de verão madrileno, nessa estranha sala de espetáculos, tendo por teto o céu de um negror sem estrêlas, com uma lua crescente que parecia o nlfange mouro de Texufin, o infiel, a ameaçar hostes de Castela, para o encontro marcado com os três mestres da música romântica do século passado, um polonês, um francês e um eslavo, iguais no gênio, mas tão diversos no temperamento, no estilo, na tessitura de suas criações imortais. Nas "Sílfides", Chopin parecia liberto daquêle acabrunhante sentimento de melancolia e de desespêro mal contido, que é o leit– motivo de sua obra, sobretudo em certos noturnos, e, palpitante e incoercível no prelúdio do "pingo dágua", para se librar a regiões mais serenas, em enlevos suaves, por vêzes de eufórica alegria, ra– ramente sombreados de furtiva tristeza. Era mesmo difícil dizer on– de o gênio romântico encontrava o seu ponto mais alto, na coreogra– fia de Fokine, se nos delineamentos polifônicos do noturno inicial, se nos ritornelos esfusiantes da mazurca, se nos meneios e acordes alacres da valsa de intermezzo, se nas estonteantes rondas e sono ridades orquestrais da valsa final, como a resumir, em côres com– plicadas, o maravilhoso sonho pagão das sílfides ligeiras e fugidias. Depois foi Tchaikowsky com seu segundo concêrto de piano, a evocar cenas e amores dos idos tempos da sua Rússua imperial. A tessitura do concêrto é inegàvelmente magistral, a orques– trs.ção maravilhosa, mas, apesar da versatilidade do seu gênio cria– dor e dos recursos inexgotáveis de sua arte, no Ballet Imperial, tal– vez pelo ambiente artificial em que se desenrola a intriga dramáti– ca, ou aincla pelas implicações do próprio enrêdo temático, Tchai– kowsky me surgia frio, solene, quase rebuscado, sem aquela graça espontânae, aquela magia de encantamento e de mistério que vibra, pulsa e ressuma no Lago dos Cisnes, o ballet branco mais represen– tativo e por certo a sua obra prima. Agora era Saint-Saens que na trama coreográfica da Morte do Cisne prendera para sempre a sombra imortal de Ana Pawlowa. Ali, porém, sob as gambiarcas e refletores do tablado da Plr~za Mayor, a Morte do Cisne, na versão coreográfica de Fokine, era uma dessas visões fugazes que Madalena Pope, estrêla da ópera de Rucarest, minúscula, esgalga como uma dessas figurinhas de ne– gas, estilisava, ora com a graça misteriosa de uma sílfide, ora com l.r •

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