Revista da Academia Paraense de Letras 1968

46 ÁPIO CAMPOS Se não fôr lida ou publicada, a obra literária existe sim, mas apenas com algo possível, e sua plena existência só será encon– trada no momento em que alguém descerrar a porta dêsse mundo de virtualidade, que só tem sentido porque supõe um mundo hu– mano, no qual vivem criaturas capazes de pensar, sentir, extasiar-se e gozar. É através de sua arte que o escritor se realiza como ser hu– mano, membro de uma comunidade em que todos falam a mesma língua, podendo êle dessarte exercer sôbre as gerações coevas ou fu– turas aquela influência indispensável para se dizer de um homem que viveu a sua vida. Em seu erudito livro "La Literatura y El Lector", ARTHUR NISIN fala de um "diálogo com os séculos", que é a dimensão tem– poral que assume a obra para poder sobreviver. A simples existên– cia de obras perdidas ou esquecidas em estantes, sem leitores, não pode significar vivência plena, e nesse caso fica a obra transformada em fóssil ou guardado de museu. O próprio Mallarmé publicou seus poemas, donde se conclui que também êle contava com o leitor (4). CYRO DOS ANJOS; em seu grande livrinho "A Criação Literá– ria", escreve as seguintes palavras : "Visto como a criação literária só pode comple– tar com a leitura, pois forçoso é que confie o escri– tor a outrem a tarefa de acabar aquilo que começou, tôda obra literária envolve um apêlo. Escrever é apelar para que o leitor faça passar à existência objetiva o d..svelamento que o escritor em– preendeu por meio da linguagem. E se o escritor apela, semelhante apêlo pressupõe a liberdade da– quele a quem é dirigido. O leitor não pode ser pas– sivo; é elemento ativo na criação da obra, e dela as– sume também a responsabilidade" (1). É natural que uma visão clarividente da literatura não possa ser apreendida fàcilmente ou de maneira espontânea pelo grande público . O conceito que de literatura fazem as massas é o resul– tado de tôda a deseducação literária produzida por movimentos iso– lacionistas, ou por um academicismo que pretendeu transformar essa arte de densa vivência num "ludus" de diletates ou de iniciados. Hoje, percebe-se sem esfôrço a falsidade de tal posição, e procura-se por todos os meios modificar o panorama desalentador que se criou em tôrno de quem escreve .

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