Revista da Academia Paraense de Letras 1968
• t SAUDAÇÃO A D. ALBERTO GAUDENCIO RAMOS 31 ram na Aldeia de Lorvão, no conselho de Penacova, em terras lusi– tanas, onde existe um antigo mosteiro, construído ainda ao tempo de São Bento e mais tarde ocupado, por ordem régia, pelas monjas Cisternienses. Nêle professaram muitas jovens de famílias nobres portuguêses, no passado . ~sse convento serviu sem dúvida para imprimir no espírito das populações adjacentes um certo halo de religiosidade. Sua influên– cia se fazia sentir na vida e na conduta das famílias da região, cujas filhas buscavam o silêncio do claustro; na formação pessoal de cada um, nos hábitos austeros do campônio, na atitude discreta dos ho– mens e na faina de todos os dias. E quis o destino, em uma das dependências dêsse velho mostei– ro, se recolhesse um dia Alexandre Herculano, no século XVIII, para alí escrever, no silêncio do ambiente monasterial, o seu belo romance "Eurico, o Presbítero", em que relata as lutas travadas no século VIII entre os godos-cristãos e os árabes muçulmanos e que por tanto tempo tingiram de sangue o solo ibérico. ir: que uma fôrça espiritual incontrolável vinha do levante para o poente. Surgira na Galiléia . Projetara-se pelo Império Romano do Oriente e do Ocidente, sofrera nas catacumbas, sobrevivera às ruí– nas das invasões bárbaras na península itálica e ressurgira por fim, dos escombros, entre os próprios invasores nórdicos, que abandona– vam os seus cultos bárbaros e adotavam a nova fé : o Cristianismo . Os impérios dos borgundios na Gália e dos visigodos na Ibéria res– surgiram para a vida do espírito. Alexandre Herculano põe em realce essa transmutação : "Ne– nhuma das tribos germânicas que, dividindo entre si as províncias do Império dos Césares, tinham vestido sua bárbara nudês com os trajes despedaçados, mas esplêndidos, da civilização romana, soubera como os gôdos ajuntar êsses fragmentos de púrpura e ouro, para se compôr a exemplo de povo civilizado". Herculano foi buscar em Lorvão as horas de sossêgo e recolhi– mento em que pudesse reconstituir as cênas sangrentas dos embates entre cristãos e mouros, a luta sem quartel, a golpes de espadas de Toledo e franquisque, o ambiente dos "claustros pacíficos e saudo– sos", onde nunca soara o rufdo tormentoso da vida, onde nunca as dolorosas ralidades do mundo haviam penetrado, salvo "nos sonhos passageiros e dourados de algum coração mais ardente ... " Naquêle silêncio de claustro, Herculano pôde refazer o perfil de Eurico, "anjo tutelar dos amargurados ... " "Sacerdote do Cristo, ensinando pelas largas horas de íntima agonia, esmagado o seu co– ração pela soberba dos homens, Eurico percebera, enfim, claramente,
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