Revista da Academia Paraense de Letras 1968

130 FELICIANO SEIXAS - Que destino buscas no mar eterno, submisso aos teus pé~. ainda que lhes pises as grinalda~ de espuma, antes reservadas às suas sereias? Minha vista se despede da jangada ao longe, como primeira andorinha dêste verão constante, e já escorrega fácil sõbre as mon• tanhas russas das dunas intermináveis destas margens desérticas. Maior que elas, sàmente a ânsia de me envolver na plasticidade molhada em que navego lento . Contraste paradoxal e humano : Vegetação vicejante entremeia ondulados arern1s, como se Deus defendendo extinta Terra da Promissão, deixasse para mostrar aos homens, os últimos resquícios de u mparaíso antigo. Surpreende-me sua nova côr : - Onde está o verde mar, tingindo tôda a superfície atlântica 1 Oceano irreverente, por que ficaste azul, e tão depressa que já n ão sei onde terminas para comepar o céu ? Não mudes a côr poética do teu leito, senão dirão que a tua nuance é falsa, como falsas foram as esmeraldas achadas na Serra Verde, na epopéia de Fernão Dias, o Bandeirante Lendário. E sempre, quadro renovado da natureza, emoldurado com hori– zonte divino, porque copias a Arte, remanchado no reflexo das nu• vens, em fortes pinceladas coloridas, com a extravagância impres– sionista de uma aquarela de Cézane ? Volta a espelhar o tom que envolvia Iracema, a dos lábios de mel, banhando-se em tuas praias com os cabelos soltos ao vento matinal . Por que admirar a leviandade dêste mar, Ja agora refletindo todo o azul celeste da religiosidade? Num relance reaviva-se a re• torna verde ou transmuta-se enfastiado em furta-côr que aos poucos se esvaí recolorindo-se novamente em meus encantados olhos ? Pecador arrependido, ouve-me enfim, e volta súbito a esverdear– se na amplitude, com a irreverência insensível dos reincidentes. Desiludo-me de o entender, e deito-me no tombadilho, sob a luz de um sol ardente, cerrando sonolento as pálpebras, para apagar eu próprio em meus olhos recriminantes, com impenitência humana, a cõr verde do mar mais leviano do mundo, e o reflexo azul e espi- ritual do Senhor! . Agora, na imensidão etérea, com a alma transposta para a re• gião fantástica e inconfessa dos sonhos, só o meu corpo açoitado pelo vento, balança inerte no navio flutuando engastado na esme, ralda curva dêste mar !...

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