Revista da Academia Paraense de Letras 1968

104 SULTANA LEVY ROSENBLATT ou pára na modorra do barracão em cima d'água. Conhece muitos personagens e não sabe a qual se afeiçoar. É, como disse, um livro de recordações. "Terra Encharcada", ao contrário, é um documento; a situação é concreta e definida, com a fôrça e veracidade de um "Eu acuso" . Jarbas Passarinho foi muito feliz na escolha do tema e na maneira como o desen·•olve; transmite a mesma revolta e repugnân– cia do público que testemunhou os fatos, há anos, ao leitor de hoje, que vê e sente tudo através de uma narração clara e incisiva, feita numa linguagem simples e máscula, que não se deixa seduzir pelos artüícios femininos, feitiços de paisagem amazônica jã tão explora– da. Até a quebra da sequência no relato, é para introduzir uma fa– çanha de homem - a pesca do peixe-boi. "Terra Encharcada", como vemos, é ainda um, mas diferente. o próprio Dalcidio jamais acaba de contar as suas estórias pitorescas, ocorridas na parte úmida do chão paraense, ou à sombra das mangueiras de Belém. E são sempre novas. Temos também o exemplo de Lindanor, que nos leva para o sêco. Sente-se no seu livro, quase, o cheiro ressequido do solo nor– destino . Talvez esteja entranhado nos corpos dos seus personagens . É um romance de vidas com a história de estoicismo, persistência, coroada com a realização . Deliberadamente, ou por acàso, a autora mostra o contraste entre duas familias de fibras diversas; a que tra– balha, luta, vence, e a que se deixa vencer mergulhada no entorpe– cente embalo de uma rêde; a primeira é nordestina, a segunda, infe– lizmente, é daqui . . . Quando li o romance de Stela Leonardos - "Es– tátua de Sal" - lançado no Rio ao mesmo tempo que "Menina que vem do Itaiara", encantou-me principalmente a faceta do Brasil, fora do comum, que a escritora nos apresenta. Assim também, "Menina que vem do Itaiara", desenrola-se no Pará, mas dentro de um am– biente inédito. Não quero abusar mais da bondade com que esta seleta assis– tência me ouve. Sobejas são as demonstrações de carinho que te– nho recebido nesta curta visita à nossa terra e que me recompensam plenamente do sacrificio de haver deixado meu lar, pela primeira vez, sozinha, para rever Belém. Regresso cheia de contentamento, por todos os motivos; um dos mais importantes é o prazer de ver que o autor de "Terra En– charcada", aquêle que se coloca ao lado dos oprimidos, defendendo-os com pulso rijo e denodo, aquêle que mostra, escrevendo, a transpa– rência do seu espirito; e não usa artificio nas suas palavras, porque prefere a honestidade llmpida; e não vacilá no que assevera, porque sabe o que quer; é êsse mesmo homem o governador do Estado do Pará .

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