Revista da Academia Paraense de Letras 1968

SILVIO MEIRA SAÚDA JOSUÉ MONTELLO 95 Pois foi Josué um soldado dêsse Exército. Mas um soldado amestrado, que em vez da espada - · que só agora êle a possui como parte integrante do fardão· acadêmico - manejava a pena, uma pena que escrevia ora com sangue, ora com perfume, ora para si, ora pa– ra os outros, em editoriais, comentários, crônicas, publicados na im– prensa do Rio de Janeiro, fazendo trocar, como dizia Humberto de Campos; o miolo · do cérebro por miolo de pão. E foi à custa dêsses escritos, que pôde manter-se no torvelinho daquêle Rio de Janeiro - Rio turbilhão, desespêro, devorador de ju– ventudes, voraz Rio de Janeiro, onde tantas ambições desapareceram no abismo de terras gulosas. Josué conseguiu salvar-se daquêle naufrágio. Parece que o seu nome bíblico o ajudou um pouco. Com as suas trombetas tôdas as muralhas caíram deixando-o passar. As muralhas da indi– ferença sulista perante os homens do norte. A muralha da inveja e da concorrência no campo das letras. A muralha da adversidade ne– gra e lisa. A muralha da ingratidão, "essa panteraº, como a classifica Augusto dos Anjos, no seu desespêro de poeta inconformado. Josué venceu com uma rapidez que nos faz pensar num mi– lagre. Os pedregulhos que teve de pisar, os fossos que precisou trans– por, as barricadas que teve de vencer ou contornar, essas, só êle as sabe bem quais foram; só êle, em estudo auto-biográfico, poderá des– crever aos nossos olhos. Quando 1remC1s um homem vitorioso na vida não calculamos muita vez o que ficou para trás, em amarguras e sofrimentos. O êxi– to faz esquecer as dificuldades. A Glória parece encobrir com manto cõr de rosa o céu dos vitoriosos, como se êles já tivessem nas– cido assim, cerno se Pascal já fôsse nascido filósofo; Lincoln, Presiden– te; Napoleão, senhor do mundo; Virgílio, "altissimo poeta". Não e não. Todos vieram do chão com a fragilidade das semen– tes em botão que o sôpro do vento pode destruir. Todos cresceram protegidos por mãos invisíveis, como que a defender o lume brando da vela que se quer apagar, ou como o fogo-fátuo que desaparece e volta depois a brilhar aos nossos olhos. Nada mais se assemelha às glórias humanas e à alma humana do que os fogos-fátuos, reluzentes nas noites escuras, que por vêzes se apagam e desaparecem. Disse-o muito bem Rainer Maria Rike nos versos que traduzi– mos:

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