Revista da Academia Paraense de Letras 1957

fJ r V,: 'REVISTA DA ACADEMIA l>ARAENSE DE ·tETRAS -5 alvoroçada e o coração pulsando, a rever pessoas e coisas, com a mes– ma virginal emoção, gratuita e casta, com que a vi há trinta e seis anos passados! Por isso mesmo ~ repito - ninguém pode imaginar .a emoção a um tempo funda e suave com que contemplei agora - tantos anos decorridos - essa paisagem fabulosa de rios e de flores– tas, que foi um dia festa de poesia e de mistério para as minhas pu– pilas curiosas de adolescente! Como sabeis, abri os olhos para o mundo no Rio Grande do Norte.. Mas, para a literatura e para a vida pública, nasci no Pará! O Pará me deu tudo aquilo que há de essencial em mim: o amor da terra e da gente do Brasil, a sensibilidade, a curiosidade, a disciplina do tra– _balho, a paixão dos problemas do homem, como me deu a temática dos meus livros de ticção e ainda a inspiração inicial da minha vida de devoção social, literária e científica . As raízes do meu ser se afun• dam na paisagem agreste do Rio Grande do Norte, áspera e pobre, Mas o enriquecimento da minha sensibilidade e a têmpera de meu caráter, estes vieram-me desta terra generosa e bela, do seu secreto m istério encantatorio e da sua grandeza perturbadora e esmagante. Os meus olhos são felizes, como se diz no Fausto, de Goethe, por se volverem para trás docemente, na contemplação do Passado, sem amargura e sem tristeza. Um adolescente inquieto e melancólico, to– cado de ambição e curiosidade, e conduzido pela mão generosa de um Tio, atravessou resolutamente os umbrais da casa paterna, abando– nou sem-I:iesitação a paisagem.familiar da Terra Natal - e se viu de repente so, entre o mar e o céu, navegando para a aventura e para o desconhecido. Andou perturbado e hesitante? Não· marchou cora– josamente - e encontrou o sortilégio de um alumb;amento: Belém.,. Se eu vos contasse o que foi a sensação do meu primeiro contacto com esta cidade amada! Cheguei à noite e não pude desembarcar . Diante de meus olhos palpitantes cintilavam as luzes da cidade: as lâmpadas de arco-voltáico, lívidas e trêmulas, dos armazens· da Port of, do Bou– levard, do Ver-o-Pêso ... E no veludo das sombras noturnas, o recorte das três panelas verdes da Caixa d'Agua, e os perfis longinquos das torres da .Sé e de Santo Alexandre. No dia seguinte, ao desembarcar, diante das velas coloridas e dos mast;ros ensarilhados do Ver-o-Pêso, senti que pisava terra amiga e acolhedora: solo bom e generoso - e fui para casa de um amigo no bairro da Sé - chão velho onde a cidade nascera - . . . O Largo da Sé Com a fé maciça das duas maravilhosas igrejas barrôcas. E o renque ajoelhado de sobradinhos coloniais tão bonitinhos. E o berço da cidade ·foi também o berço de meu deslumbramento e do meu amor por ela... Eis o meu primeiro encontro com Belém ... Faz tanto tempo! E não teve nada de extraordinário. Mas todos os encontros são lindos, mesmo os mais cotidianos e indiferentes. O encanto do encontro de– pende do nosso estado de alma. Naquela noite de 1914, eu vinha para a aventura incomparável da terra nova, e bela, e desconhecida, como quem vai para uma festa de noivado: com as mais castas emoções me povoando a alma. E foi com um gesto de amor que recebi esse encontro feliz do meu caminho. Como a Seneca ensinou sua casa de campo a arte esquisita de envelhecer, esta generosa paisagem verde de Belém me ensinou, na adolescência, uma religião: a religião do trabalho. Cada paisagem

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