Revista da Academia Paraense de Letras 1957

4 REVISTA DA ACADEMIA PARAENSE DE LETRAS muitos dos quais têm um lugar permanente na minha admiração e na minha saudade. Recolho- d'aquele tempo a lembrança agri-dôce das minhas primeiras tentativas literárias e das minhas primeiras preocupações cívicas que se misturam confusa e ternamente com ine– fáveis experiências sentimentais. Tudo isso vai longe e se perde na memória do coração, que é límpida e bôa . Recordo então companhei– ros e mestres como Raimuncto Morais, Remigio Fernandez, Alves de souza, Dejard de Me?d~nça, Tito Franco de am:ieida, Rocha ~ore_ira! Luiz Barreiros, Eustaqu10 de Azevedo. Com Raimundo Morais pnve1 intimamente como redator de A Tarde, que êle fundara com Felix coêlho Alves de Souza e Tito Franco; foram ídolos da minha devoção literári~ de adolescente. Com o ilústre Remígio Fernandez tercei ar– mas algumas vezes, em ásperas polêmicas, sem contudo deixar de actm'irá-lo e respeitá-lo, pela sua cultura e pela sua quixotesca bravura literária. Luiz Barreiros, o homem cujo slogan no m'eu tempo de estu– dante foi tão popular: Eia povo, Lauro aceita!, era homem modesto e simples e de comércio social tão simpático. Rocha Moreira e Jacques Rôla ê.s.';es ~ tão bons e afetuosos - foram os companheiros de todos os dí~s (ou melhor: de todas as noites) naqueles plantões interminá– veis da Folha, onde vivíamos, pobres mas satisfeitos, numa convivên– cia fraternal, sob a supervisão política do velho Cipriano Santos, aus– tero e digno, e sob o comando riuro, mas lúcido, honrado e brilhante de Paulo Maranhão, que foi o meu primeiro ·mestre na arte de escre~ ver. E ao lado deles, Angione Costa, Severino Silva, Franklin Palmeira Manuel Lobato, Emilio de Macedo, o querido José Santos, o Tavares' 0 Bento, o Ferreira, o repórter Lobato - os camaradas infatigávei~ da faina diária .. . Que dias ásperos e duros, mas que saudade! Reven– do êsse tempo qu~ já s~ dilue na distância e_no es9uecímento, 0 que eu revejo de fato e um smgular cap'1tulo da mmha vida - aquela par– te lirica e secre~ a.de _mim mesmo que só pode s~r _co1:1hecida no plano pessoal da conf1denc1a. Oh! longas tardes domm1ca1s de plantão na . janela da redação, diante da ba'.ia de Guajará, tranquila e bela a Ilha das Onças ao largo, e o rubro sol crepuscular queimando co~o um incêndio fantástico na mancha tropical do céu puro. Era melan– cólica aquela dôce hora de silêncio e solidão na rua da Indústria de– serta e calada nas tardes cálidas do domingo paraense . Só os caixei– ro~. portugueses do bot~q_ui~ da e~q~ina da rua Primeiro de Março perturbavam o grave s1lenc10 domm1cal, com suas guitarras e seus fados. Lá de baixo, da oficina, o que subia para a Redação, _ oh! velho Scafi de_ opulehta~ 1n_acarronadas! - era o cheiro de chumbo fundido eL o rm_d<;> ~as maqum~s. de co~por . .. ~o fraco peito d'aquele adolescen.,e sohtano e melancohco, porem, havia o ruido de um cora– ção inquieto e o estranho perfume _de uma incomp&.rável poesia. o menino magro, deb~uçado sob~e. a ba~a, vendo ao longe o rio e as ilhas que mais tarde seriam a matena pnma da sua obra literária olhava t~istemente a paisagem, - o pensamento longe, e o amor ma'is longe amda! Vivo hoje_aqui, como q!-leria o _v~lho U1_:amuno, na recordação e pela recordaçao. E nossa vida espmtual nao é afinal de contas no fundo, um esfôrço da nossa l_embrança por afirmar-se, por persevérar, por fazer-~e esperan~a, o esforço _de nosso passado por fazer-se futuro como se diz no Sentunento trag1co de la vida ? ' _ ;Pode-se muàar mui.to , até por comple~o quase, mas dentro da con– tmmd~de: e ess~ contmuidade quem no-la assegura é a tradição, quer dizer - a fidelidade ao Passado. Porque nunca me faltou essa fidelidade essencial do espírito, é que hoje estou aqui, com a alma

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