Revista da Academia Paraense de Letras 1957

14' REVISTA DA ACADEMIA PARAENSE DE LETRAS Poema de um mundo estranho De JURANDIR BEZERRA Não me condenes, Senhor antes de ouvir-me. Criei um mundo igual ao teu, melhor que o teu, para meus gestos, e para que o mar e os lírios se entendessem · e falassem de pétalas e peixes, Como se falassem de amoi;. No teu mundo, as flôres eram plantadas em vasos de argila ou na terra cansada de tantas raizes. No teu mundo, meus passos eram medidos. . Havia metros. para medir meus passos. . Pesavam minha voz. Minhas palavras eram contadas. Cem palavras por hora, Senhor! Nasceram linhàs retas imensas de meus olhos para que eu olhasse apenas teus· limites. O teu céu era azul, exaustivamente azul, teu mar em horas certas me chamava. E não pude plantar sequer um grão ,de t-rigo nos teus campos. As pedras de teu mundo eram inúteis, como longos e incertos teus caminhos. E os cânticos que ouvia junto às fontes, não eram hinos à tua·Glória. Eram pássaros chorando nos seus ninhos. Não era meu o teu mundo. Eu era estranho para as tuas ovelhas que pastavam e se subia às vezes montanhas, ninguem vinha enxugar o sangue de meus pés. Foi por isso que fiz meu mundo sôbre o abismo entre meu mundo e o do teu Anjo Negro. . . E plantei os meus 1!rios ~ôbre as águ_as, para que minhas maos nao os colhessem nunca. Não me condenes pois, Senhor, agora que me ouviste. Se perdi o teu céu, se teus clarins não me chamam, e teus anjos me C evitam, .Tu bem sabes, Senhor, em minhas mãos há ete111as cicatrizes que me impedem de colher os lírios plantados no mai-. 2 - 5 956. N. R. - ~te poema poi declamado pelo autor na festa de 3 de maio de 1956 ,da Academia Paraense de Letras, da qual é sócio efetivo e perpétou. o- '[j

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