Revista da Academia Paraense de Letras 1957

·g REVISTA DA ACADEMIA PARAENSE DE LETRAS nitidez e afoiteza sua concepção da poesia nova. Dizia êle: (estavamas em 1915) "A poesia no Brasil atravessa, agora, uma fase de completa transformação: os velhos alicerces foram quasi derruidos, surgindo desse montão de cinzas uma arte nova, severa, esculturada em ouro. arte eterna e divina que deixa de ser "le dernier refuge au sentimen– talisme", segundo uma expressão ae Goujon, comentada e ridiculari– zada por Deonna, para ser o "reflexo sentido da Vida".. . Era de resto o pensamento comum do grupo que liderava a renovação literá– ria na época. A formosa nota com que Tito Franco comentou, no "Estado", a publicação dos belos versos baudelaireanos de Alcides Freitas - "Caveira", definia e defendia o mesmo roteiro estético: "o verso, como a história para as civilizações, na frase simbólica do uni– ficador da Itália contemporânea, é inovador e é creador inesperado, nos fastos da linguagem". Confessava sua filiação à corrente a que pertenciam Cruz e Souza, Augusto dos Anjos e Da Costa e Silva no Brasil, e lá fóra Baudelaire, Rollinat, Verlaine . . . :íl:les se aparenta– vam do Simbolismo, mas tinham ritmo próprio e autonomia lírica: as suas "citaras desconheciam a banalidade", e "preferiam com orgu– lho altivo o exotismo à chateza". Sinceros, profundamente sinceros, cultos e originais, êsses poetas e prosadores tiveram então a definir– lhes o pensamento estético, além de Lucidio e Tito Franco, dois in– térpretes ilustres : Dejard de Mendonça, numa bela e polêmica "Epis– tola a Tito Franco", em que defendia o postulado da "perpendicula– rização" ("perpendiculariza-te na vida!", conclamava e desancava) os poetas que não pertenciam ao seu grupo, e o famoso ensaio de Severino Silva sôbre Marques de Carvalho: "Gênese e evolução da Poesia", naquele tom grave e enfático com que o poeta sabia debater os problemas. Ao lado dessas páginas famosas ,surgiram na época igualmente alguns artigos de :jlOrnal, de cujo conteúdo literário todos nós recolhemos o melhor proveito: as deliciosas "Linhas apressadas a Nemésius", de Paulo Maranhão, e o ensaio "Envelhecer", de Heliodoro de Brito, dois autênticos modelos da arte de bem escrever, que todos lemos e guardamos como as mais límpidas e oportunas das lições . Outra página memorável da época veio-nos de Lucidio - bem típica do seu temperamento e da sua orientação literária - foi o delicioso Bilhete íntimo a Remigio Fernandez, recordando a .malícia d.e mestre João Ribeiro, das Páginas de Estética, a propósito de uma crônica dele sôbre música . Pedia-lhe que, em vez de escrever sôbre música, escrevesse sôbre a "triste realidade" do momento. E escrevia então: "Falta-nos, porém, meu amigo, um grande público que nos compreenda. Os nossos moços preferem o foot ball a uma página de Dante, convencidos de que os homens futuros hão de valer pela ex– tensão das pernas ... Muita ignorância, meu amigo! Marchamos de descaiabro em descalabro, sem pensarmos no trágico amanhã, nesse terrível amanhã que tem a fisionomia herética da necessidade .. . "A nossa mocidade não estuda, peralteia; não pensa, gargalha: perdendo-se, extraviando-se, matando-se completamente, desperce– bida em absoluto do que se passa além do Chapéu-Virado... "Triste realidade, meu amigo! E tu a escreveres sôbre Verdi e Puccini, quando escrever devias artigos de fogo sôbre o desgraçado momento que assistimos passar, indolentemente ... "Escreve, Remigio, periodos brônzeos incitando o govêrno a olhar um instante para as nossas cousas . . . Eu sei que o govêrno apenas tem tempo suficiente para bocejar . .. :tl:le é muito indolente, é... Pre– cisamos acordá-lo com a quentura do nosso pran to ou mesmo com a violência dos nossos pontapés .. . o

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