Revista da Academia Paraense de Letras 1955

Rb:Vl$ TA DA ACADE!'\1lA PAR.<\.ENSE DE LETRAS 93 A'l:O SEGUNDO (MeEmo Qcnário do Primeiro AI.O . Sete nnos depois. COMADRE NóC.()., mais envçlb ecid:1, mnis mngrn, mais acabada, trnbaU1a p.umu m1\qui.11a de cos tura. Ao levantM' do pa n,o, COMADRE NóCA, Imprime movimento à 1n áquina de costura. COMADRE COLó encontra-se em pé, encost ada ao humbral da porta ao fundo. É a mesma do Primeiro Ato. Com os- ollios um pouco mais p ensativos. Pareec que só os olhos envelheceram nela. Como no pri.meiro ato é dia de maré grande. A oêna está sllenci.osa . Ouve-se, sómente, o ininterrupto. o monótono rumor das ondas fóra, e dentro o taralhar a.pressado da máquina de costura. A noite não tarda). QOMA~M NóCA (parando n mâqu innJ Fui num dia como list.e ! Como me lembro ! Se lembro, con\udr~? COMADRE COLó - Ora, se me l~mbro ! Eu Já tlnba me lembrado, comadre ! Eu não queria era dizer ! Para que? Para p~ovocnr tristeza I Para tornar a gente m ais t riste ainda do que é, comadre ? Basta Já a tristeza de a gente não ter o que comer I Olhe, eu também me lembro muito, multo, do Benedito. Mas, afinal de e<:>ntas,_ o Benedito estâ melhor do que nós ! De que valia êle estar vivo, co– madre ? Sofrendo com!go, e com os ,filhos ? Vendo os filhos sofrendo, vendo os 1ilhos com fome? A comadre se lembra que o Benedito levou um ano desem– preg_adq, lutando pnrn conseguir uma colocação. Eu penso até que fo'i nêsse t'empo que éle pégou nquela máldlta cloen çn. l!:le rlíio comia, comadre. Preferia ver os f!Uics comerem o pouco que ele arranjava. E o resultado fol que quando con– seguiu o emprêgo 110 Curtume - n comadre se lembra - três meses depois teve que deixar porque estava sofrendo do peito. E outros seis meses levou a penar, desempregado, 110 fundo duma rêde, botando sangue, o meu v elho ! Quem diria ? Tão for te, o meu vellio 1 (chora). COMADRE NóCA lC0movlda) - A vida é tão triste pra todos, comadre. Todos sofrem um pedaço ! COMADRE COLó (com veemência) - Todos, niio ! Todos nós, slm ! Nós, os pobres ! Porque o pobre, o povo é desamparado ! Mas n gente rica, n gente do govêmo, essa que manda levantar prédios e tem automóvel, essa não sofre, co– madre ! Essa vive à custa do nosso desamparo e ela nossa foma 1 COMADRE NóCA - Mas êles sã11 os donos do Pará, comadre... COMADRE SOLó ~ Pois é. tles são grandes, nós somos pequenos. O Be– ne:d1t p pediu tanto a êsses ''grnúdos•·, pediu que cansou, trm emprêgo ! ll:les só fa~lai;n prometer ! E a comadre se lembra como êle ficou tão alegre quando con– seguiu a colocaç,io no Curtume !... COMADRE "'NóCA - Eu me lembro! Fol Justamente naguêle dla ... COMADRE COLó - Ah ! Foi mesmo ! Foi no dia em que Joana desapareceu (sorrindo tristemente). Eu d!go sempre desapa receu . Não sou capaz de dizer mo!'rcu . Pni:a .mim. comadre. Joana nno morreu. COMADRE NóCA É o que mano Manduca diz : que ela nlío morreu : que foi ,P\lra o Fundo. COMApRE OOLó Mns o que tenho para mlm (não sei porque) é que ela não morreu, nem fol pnra parte nenbuma fora dêste mundo. Se salvou em alguma pra·1a. Está viva. E um dla... COMADRE NóCA - Que esperança ! ' .. COMADRE COLó - Sl eu tivesse visto o cadáver dela, si.m eu acreditaria ela morta, Mas, não ac1a rnm o corpo.. , COMAl)RE NóCA - li: o que mano Manduca diz. Mas é que o corpo dela poderln ter sido comido por algum bicho, comadre. COMADRE COLó - f:. Dizem Isso. (Noutro tom) , Mas, qua ndo eu penso no c;1est1no dRqucln menina, comadre ! Se lembra que n o próprio dln do desa– parecimento, nós tfnhamos !ainda, multo, nela ·/ COMADRE NóCA - Havinmos !\Qabacto Justamente de falnr, ou, por ouLra, estávamo~ alndn falando nela quanclo se deu o cnso. Não foi ? COMADRE COLó - Justamente ! Que cousa estranha, comadre ! A comad!'e nlnda nf10 rcpnrou que há. multas cot1s11s estranhas nn vida cln gente? Eu nuo sei se na vldn da gente rica é assim . . . COMADRE NóCA - É assim também, comadre. Mas é que as pessoas ricas escondem essas cousae. Quando o caso se espalha é sempre à bôca pequena, contado pelns cozmbelrns pelos empregados, nunca por êles próprios. Veja que qua nd º acontece qualqu~r cousa entre nôa, os pobres, os Jornais publicam logo, fazem

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