Revista da Academia Paraense de Letras 1955
REVISTA DA ACADEMIA PARAENSE DE LETRAS 7 --És muito petula n te, moleque ! E quem te en viou é mais ain da I Não me consta que teu p oorinho seja d ono de mina. Volta e d ize à tua avó que não_ <e assim que se esfola o b oi . Se não podes aprender de tamanco, vai d escalço, e se não te q uiser em assim, fica burro . Eu leio e ese1·evo mal e nem por jsso teu JJadrinho ine quer 1ne nos. --Sua bênção, madrinha . -•-Bênção n ão e nche barr iga . Já te dei uma.. Podes ir só com essa. Com o rosto enfebrecido, as lágrimas pendentes dos olhos e o p asso in– certo, deixei o corredo r da casa a que nunca ma-is voltaria . O professor aceitou-me, a final , mesmo de sócos, cedendo às súplicas de minha. avó, e foi com eles que entrei no palco da vida, para represen tar a min ha primeira comédia, de q ue e ra figur a n te medíocre. E foi, igua lmen te, taman– q ueando, que cruzei a soleira da adolescência. Nessa era remota, a inutilidade confessável estava por se chamar fu tebol. Para r epetir Oscar Wilde, a mocidade ni;io gostava ainda de dar couces nem de ser escouceada. Não existia também a "terrasse" do "Grande Hotel" - pelou– rin ho elegan te de repu tações ícmininas - onde rapazes. precocemen te liberti– nos, se amesendam para bebericar "whisky and soda" e desnudar, com pupilas c hcmejantes, as moças casadeiras, que vão passando. As donzelas d esse tempo não saiam dos bailes picadas de v inolência, aos braços dos seus derriços, sob as vistas compl,acentes da tole rância paterna.. A minha juven tude, paupérrima e laboriosa, sem cigarros e sem nlcool. sem fa rras e sem pão, não teve ao seu alcance o carneiro fabuloso a que cardasse os vélos douro. Não lhe surgiu, igualmen te, de qua lquer ângulo do horizon te, nenhuma senhora Beau vais, a,oolhedora e solicita, que lhe desvendasse, na pe– n umbra de algum recan to. os segredos da iniciação viril. Os filhos-familias da ntua J.idad<>, mais afor tunàdos, ou mais lastimáveis. entre as van tagens do bem– estar d oméstico, d ispõem de criadinhas afáveis e comunicativas, que lêem com e les a cartilha sexual. A noite, eu frequentav~ a escola, e de dia, sobraçando o meu papeliço de "matalotagem", saltava d a rede. ao alvor ejar da manhã, r umo ns oficinas da Amazon River. Eram localizadas num ·vasto galpão, que fronteava, face a face, o Colégio de Santo An tônio, na orla fluvial da r ua da I ndústria. Não me lembro se, nessa via •pública, medrava alguma inclústri~ que justificoose a denon,inação, salvo testemu nho em contrário dos p rofundos sabichões de História, com quem se topa, a cada passo, por entre o capim e os buracos do chão desca-lçado das nossas ruas. Eu aprendia o oficio de serralheiro e ganhava trezentos réis por 12 horas de t ra be-lho . Aos sábados, no lusco e fusco da tarde, mais orgulhoso e conven– cido do q ue garoto de estirpe régia, deixava 110 r<>gaço de minha avó os mil <> oitocen tos da féria semanal. Com esse adjutório, e a minguada contribuição- dos seus biiras de fazer renda, que trouxera do Ceará, sua terra natal, quando emi– gl'ar a, n uma leva de trabalhadores rurais, fugidos à sêca, íamos vivendo entr e dias de parco a limento e dias de fome - estes em maior númer o do que aquê• les. Foi na maquina do meu aprendizado que mutilei dois dedos. um em cad::i mão, mas ten ho três que só p 1·estam para deitar na lata do lixo. O tercei ro é o mindinho da canhota. Foi estropiado num a taque a pau e a t iro do ca-panga An tônio Mar celi no, que o Chico Campos, a lagoano temerário, futuro - cunhado do governador Sousa Castro e então porteiro da Aliândega, despojou bravamen– te da fama, partindo-lhe a cara. O dedo q ue p uxa o gatilho está, porém, de boa saúde. E ra no tempo em q ue o sr. Antônio Lemos, ascendendo de "feijão da Ar– mada", a dono da terra, mandava dàr pancad a e banhos de pix<> nos r apazes da FOLHA, à sombra do aroo-Jris das m11 i:ravat!I~ de A\ll!U$tO Montenelfl'O , .Pllblfca •Arthur Vf4nno • su,~-= Haroldo Maranhão .,
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