Revista da Academia Paraense de Letras 1955

42 REVISTA DA ACADEMIA PARAENSE DE LETRAS "Ao sair dêsse templo sun tuoso, que a.o depois me disseram ser d\ palácio de Karnak, deparei com uma larga alameda lageada e marginada de escombros. Essa via tinha. sido talvez, a mais importante da cidade ciclópica, e conduzia às majestosas r uinas de Tut-Ank-Amon, e depois, aos seus subúrbios e arredores . "Os meus ccmpanheiros disseram-me que aquilo era Tébas - cidade flo– rescente há quatro mil anos . E minha imaginação recompôs, com a. minúcia de que é pródiga a lenda, as excursões periódicas que fazia o Rei Sesostris, - Faraó da Segunda Dinastia, sober a.no sábio e querido do seu povo, quando saia, montado no seu elefante tcodo ajaezado de ouro e p úrpura. seguido e arrodeado pela população, tendo na frente a ba.nda de bombos, clarins e pifanos, numa algazarra imensa . No meio do surdo clamor que se evolava da multidão, con– tinuava eu sonhandt•, caro amigo, - ouvindo como num pesa.dele, a melodia sentida e tristonha qu'e tão bem caracteriza a alma do Oriente . "Era uma evocação que surgia, mercê de certas música.s egípcias que já ouvira, como " Os amores de Cleópatra", de Rizzi. Após, como num despertar, essa aparição se esvaia, mostrando-me em seu lugar , a estrada. limpa e lavada de Sol, se patenteando aos meus álhos, decrépito e abandonada . Outras r uínas menores se espalha.vam ao longo do rio, acentuando vestígios de uma civilização extinta . "Por tôda a parte, esparsos pelo chão, pedaços de está tuas, enc~·mes per í– metros lageados, indicavam que ali havia existido um templo . Caminhamos para o centro, e fomos da.r em humildes habitaçóes dos moradores dcJ lugar. Eram lavradores das margens do Nilo. Demoramos alguns dias, com o intento de atravessar o caudal, e ir visitar os cemitériL\ ; na outra banda. "La mais a.:i longe começavam a se avistar algumas das pirâmides, que se a linhavam em fila para o norte. "Na minha estadia em Tébas tive ocas,ao de conhecer uma egípcia, cujas feições es beltas e morenas me fízere,m lembrar as brasileiras. De resto, a seme– lhapça é notável dós felàs com a nossa gente magra e morena. Chama-se Fa– ride. O seu cabei« negro, os seus olhos profundos meio disfarçados, a sua cutis pálida, talvez pela. reminiscência das minhas compatriotas impressionou-me amor osamente. Mas a verdade é que não nos e nte,ndiamos por palavras só por gestos, sorrisos, olhares ma is demorados. Até que pela quase convivência diária, os laços de afinidade entre nós, cada vez m ais se acentuava . Durante um mês, que permanecemos nessa cidade le ndá ria, em que tudo era revelação e evocação de um mundo antigo, não deixamos de ncs avistar todos os dias. Cheguei a ter pensamentos fantásticos, - meu caro Murllo, - por exemplo : esquecer a minha. pátria e me tornar egípcio . Tal era o amor que em mim começava a nascer. Casar-me-la com Faride, e estava tudo acabad~◄• Mudaria de pátria, mu– daria de costumes, e re nasceria para. uma nova vida . Os meus companheiros decidiram -se à partida. Fico 1 disse-lhes preremptóriamente . Entreolharam-se espantados, como quem diz : êsse camarada endoideceu 1. .. "Mas a. minha resolução era firme : resolvera abandonar tudo. - Mas enfim, perguntaram-me : e◄ que é que te induz a essa atitude ? Quando lhes contei a paixão que me assoberbava, não motejaram, m as ficaram tristes, porque compreenderam a minha sinceridade . "A noitinha depois do jantar, vem conosco, - disseram. E à noitinha me levaram para uma parte que ficava ao sul da cidade . Pegaram-me pela mão e me c,4nduziram por vereada., que ia dar a uma casa de camponezes felás . Pa– ramos, a uma certa distância, e vi então Fartde em companhia de um homem novo . JilmpaUdeci de emoção . Era a traição t Era O perjúrio 1 " Não disse Palavra, mas o &mor próprio supe rou a tudo. Senti-me he r óico . E perguntei : mas aflnnl, o, que aquilo que r dizer ? "- Pois, 11!io compl'eendeste ? 1: o seu noivo. - seu noivo ? - Sim homem ; quase marido. Casam-se Olr1<.la êste mês. :Pa1•timos, e a mh1ho mudez o ut·ante a viagem afugentava a converso dos caramadas . Sentia-me desenga nado

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