Revista da Academia Paraense de Letras 1955

REVISTA DA ACADEMIA PARAENSE DE LETRAS 4Í ..Meu caro Murilo : escrevo-te hoje, 26 de setembro, dia do meu aniver– sário!, não para relembrar-te o passado, aquêles nossos passeios aos domingos, pelo bairro do Umarizal, pela "22 de Junho'' ; aquela fase do nosso jornalzinho "O Pará", - porém, para te contar uma aventura, que por pouco não me retém nesta lendária terra do Egipto. "Aproveitando uma expedição que seguia para o Sudão, incorporei-me :i alguns britânicos meus amigos ainda da Grande Guerra, mais para conhecer es tas terras maravilhosas que marginam o rio milagroso dos Faraós . A viagem e1n s i, as conheces pelas leituras que fazes, as quais sei que são abundantes neste setor. Porém. o meu fito é mais uma vez, 'confidenciar-te uni dêsses casos passionais, que · podem surgir a qualquer homem, em tôdas as faces d2. te rra, porque a alma humana é a mesma através de tódas a.s raças. ' 'Por isso suprimo muitas per1pec1a-s, em que êste sertão adusto é pró– digo e abundante, em muito diferindo da nossa clássica Amazônia. "Narro-te apenas, a minha chegada à região, que para mim se tornou fantás tica, pe1a série de apreensões que me fez passa.r. "Quando o Nilo deixa a sua última catarata, é colltido por uma grande reprêsa : Assuan, - de cuja construção resultou a inundação d e Filéa - a ilha que outrora foi dedicada a Isis e Osiris. Por êsse motivo, os templos que enchem todo c. 1 âmbito da insula, se ostentam em maravilhosas ruínas. Mas a cidadé, quando a ma.ré cresce, fica em parte submersa. Restos de colunas, de cariatides , de patamares , d e parapeitos, de paredes desmoronadas, de magni– licos Jagêdos. ainda se nota m, atesta ndo a riqueza das construções abandonadas. '·Mas o grande rio, sustado no seu impet.o, segue depois de Filéa. rumo do norte, em demanda do Baixo-Eg ipto. Três quilômetros de largura, m e u caro Murilo, - de águas azuladas, qu2,3e pretas, formam uma faixa liquida, que divide a meio um extenso vale, ládeado de montanhas longínquas. É o vale d,1 Nilo. "Os horizanles são escampos e azuis, a claridade diurna. é estonteante devido a a usência de nuvens ; e de noite, mesmo quando não há lua, o lusc'o– rusc,, faz divisar os objetos em forma de sombras, frouxamente iluminados pelo brilho das éstrele.s. ''Naquelas paragens não há escuridão completa. Existe .~empre uma pe– numbra, que na ausência do astro rei, envolve a natureza, deixapdo que as perspectivas seje.m levemente focadas, como que, por um a lampadário oculto. ''A falúa em que viajávamos descia vagarosamente, a emtrme estrada aquática, ao sabor da corrente, porque a viração era nula. Era de noite. Nin– guém dormia a bordo. Um felá, no bico da prôa, entoava uma can ção, em q u e a triste dolên cia do estilo árabe, impregna.va -nos duma sensação fatalista e melancólica. Ibis, com as azas estendidas, tocavam a flôr das águas, e colhendo um peixe, iam pousar quietamente na margem. "A falúa foi se aproximando lenta.mente de terra, e atracou a um móle de pedra . Resolvemos espurar o dia para o desembarque de a lguns volumes, e t1camos contemplando/ o albor matutino que vinha do Oriente. "O espetáculo era sublime. . "Ao amanhecer llnalmente. é que pude distinguir bem, a beleza dos templos, que na semi obscuridade da, noite, mais pareciam sombras di!ormes . Un, palácio colossal. de Unhas majes tosas jazia à minha vista, meio demolido, à margem dire ita do rio onde desembarcamos, como s e fôsse o remanescente duma casa de gigantes. Calculei sua altura nuns cinquenta m e tros. Nele pene– tramos. Salões de amplitude imens a, onde as paredes revestidas de um poli– mento incomparável, davam-lhe a magnificência de templo religioso. se osten– tavam como se estivessem prepara,das para um concílio de deuses. Saímos, e atravessamos galerias de dimensões incomuns. Fcirmidáveis colunas se erguiam a uma altura desmesurada, algumas sustentando restos de tetos, e outras, sem ponto de apôio, apontando p11ra a abobada celeste. ., _, . .,.. ..

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