Revista da Academia Paraense de Letras 1955

40 REVISTA DA ACADEMIA PARAENSE DE LETRAS ALMA DO ORIENTE MURILO MENEZES Tive um amigo que se chamava Francisco •L eão, e tinha um dêsses tem– pernmentos nómades. a.migo de fazer viagens, não estando, por muito tempo quieto numa cidade. Leão, talvez, pelo seu gôsto de digressões, fez-se Pilôto de Longo Curso. Antes, havia sido despachante aduaneiro, onde a sua inteligência vivaz e cul– tivada, teria feito uma bela. t rajetória a caminho da fortuna. Mas o espirit,1 da aventu,·a o impelia para o mar. Duma feita. a sua a usênciii foi prolongada,. Tempos depois, quando o vi, contou-me tudo : Como comandante do vapor "Saldanha da Gama", tentara a pe.ssagem do Nordente, lá nol Oceano Ártico. procurando violar o bloqueio e passar contrabando para os a liados . em plena primeira guerra mundial. Francisco Leão por cima disto. era escritor nato . Tinha a verve borbu– füante e impetuosa., dessas em que o pensamento brota a flux, em "boutades" stigestivas e elegantes. Assinava ns seus trabalhos n a imprensa com o pseudônimo ''Lobo do Ma r" . Era boêmio incorrigível, passando, quando estava em terra, noites suces– sivas em aventura.s de amor libertino. ·Por uma dessas vezes, contou-me a mim e a João Alfredo de Mendonça, que tinha ido visitá-lo : - Imaginem I Era um tempo-ral desfeito, em pleno Mediterrâ neo . A nossa embarcação, o cargueiro "Tibagy", da Companhia Comércio e Na.vegação, vencia a tormenta, tendo à vista, a ilha de Córsega . Atrás havíamos deixado quase desarvorado ,o cruza.dor portug uês "São Ga briel", que se vira atingido pc 1 r uma tromba marítima . lusa. Eu e João Alfredo nos estreolhamos rindo, ante essa ape.ric;ã? na nave - Mas continuou Francisco, - conseguimos com dificuldade penetrar no porto de Ajacio, pátria de Na.poleão I. cuja estátua se avistara do ancoradouro. Isso foi pelo amanhecer. J á era depois do meio dia, quando lá surge, demandandol a barra, a belo– nave po rtuguesa, que vinhà com a mastrcação tôda. esbandalhada . Rimos gostosamente . As suas narr ativas tinham o cunho da reportagem espetacular. pelo realismo com que as impregnava.. . Leão morreu nc~' o ainda, sem que pudesse publicar as suas viagens pelo mundo, o que teria sido uma coleção magnifica . Viajou quase todos os mares. Eram-lhe fa.miliares os oceanos Atlâ ntico e tndico. Duma vez desembarcou em Suakin, porte\ do Sudão Alglo-Eglpcio, no Mar Vermelho, e seguiu numa expedição que demandava o Egipto, desapare– cendo por alguns meses no interior da África Equatorial. Em Belém h á vários ca.valheiros que o conhecer am . Vários despachantes da Alfândega oinda se lembram da lhaneza do seu tratol afáve l e d espre tencioso, onde a efusão se unia à franqueza mais acolhedora. Tipo mulato, o seu todo, modesto e r isonho tinha o condão de fa.zer amigos ãs centenas. Acc&netido de "tabis-dor snle", doença que como se sabe, se origina dn sírtlls, oInda passou alguns anos sem se poder 1ocomove1·. falecendo em 1040. Remexendo há dias, unia rumn de papeis velhos, depnr el com o seguinte carta dêle, datRdn cto Cairo. - 1

RkJQdWJsaXNoZXIy MjU4NjU0