Revista da Academia Paraense de Letras 1955

10 REVISTA DA ACADEMIA PARAENSE DE LETRAS A minha discípula t inha v1c1os de linguagem que me exacerbavam. Ar– ticul2,va o t e como ti, e d ava ao m e a pronuncia m elosa de mi. Quis punir, após várias tent ativas vãs, para corrigi-la, o que considerava pirronice e desgarre propositados. Em tom · áspero, e agitado o "fura-bolos·· e nérgico diante do seu· rosto a-temorizado e esmaecido. adverti-a de que ou bem estudava, ou bem na– morava. Atirando sobre a mesa, com gesto despica tivo, o livro da lição, repli– cou-m e que deixasse de ser bêsta, e sumiu-se em seguida. Depois de ouvir o malsoante epíteto, explodindo dos seus lábios côr de ginja. que o mau h umor desflorira, separa.mo- nos com reciproca aversão. Mas não para semp re. Andando o tempo, averiguei que o mu ndo dá multas voltas. Alguns anos volvidos, deparei no Maranhão a m inha antig2, disc(pula, q ue já se ema ridara e era viúva, e amámo-nos, como os bic hos macheiam - sem compr omissos. E os beijos, que outrora se ocultavam no casulo dos anelos contidos, de onde saia,m timidamente, sem r umor de asas, para mariposearem em tôrno da sua linda bõca. puderam. e n fim , nela pousar . Ia-me esquecendo de lhes dizer que também poetei. Seria omissão im– pe rdoável no depoimen to de um homem que está fala ndo de si e de outros. Quase todos nós, que lr:1zemos do bêrço o germe d:, escrevedeir:1. p ulsamos, animados de maior ou menor exaltação, a ••Jira dos 20 a,nos··, ao tomar contacto com as letras humanas. A poesia, no conceito de um alagoano ilustre, o sr. Arau jo Jorge, est á no Céu, na terr:1, no m?r, nos sêres, na vid?, em t udo. E concretizou a- su:1 pr imeira realidade carnal, aduzo eu. impolidamente, na dentada animal com que Adão acometeu e irnort2lizou o fruto vulgar da macieira. P a ra fruir o convivio dos nomes famosos que brilhavam no horizonte li– terário da é poca - Paulino de Br ito, F rederico Rhoss2-r d, J oão de De us do Rêgo, Ferna ndes Belo. Heliodoro de Brito, Muc:io Javret, Barroso Rebelo e outros - oferecia-me para ir busc3r .:--3 refeições de M9 nuel Valente do Couto à sua casa . Ia e vinha !'. pé. P almilhav~ um longo trajeto. desde a travessa então chamada das Mercês, até uma das tranversais do Umarizal, trazendo à cabeça um pesa-do tabuleiro. Do almoço par tilhavam, refreando a bravura indômita do ap etite, por que a comida não chegava, para todos, os pensionistas esfomeados, do Par– naso, q ue pagavam os liquidos consum idos. Valente do Couto, que e ra um belo e galhardo mulato, já grisalho, exercia !'·3 funções de gerente do "Diário de Be– lém", onde se manipulava a única revista literária do tempo - a "Arena". Com que êxtase vi circula r , sob os olhos dos cidadãos letr e-dos, os primei– ros versos que me borbulh aram do cérebr o 1 Eu mesmo dist ribuía a revista pelos assinantes, que eram bem poucos - um aqui, outro nos confins de Judas. Ao voltar dessa tarefa. que e ra, feita aos domingos, pela manhã, subia ao telhado do "Diário", onde me aguardava um copo de cerveja. Er:i ?,í, nesse lo~! es(!uisito, que o velho Júlio Monteiro, admi– nistrador das oficinas, passava os seus dias de folga. Levava consigo um cesto de cervejas, copo e sacarrolhas. Ao mesmo tempo que bebia, ga,rganteava, em desconchavos aterradores, trêchos da "Traviata··, do "T rovador" e do "Elixir de Amor", e recitava, com languidez de entonação, os versos da poesia de Caseml– ro de Abr eu "Amor e Mêdo". Quando a sua voz começava a tornar-se pastosa e. por fim. emudecia, sinal era de que se maniíest~,ra o com:1 lírico, do qual só despertava a horas mortas da noite. Ainda retenho as primícias do meu estro. morto anles, megmo, que eu me dPsse conte dP que sabia versejar. 1:1:1 mornva 11:l roçtt, Numa casinha moaest:t, ,ln btlRP sorrlullo /J fe&UI' !9 ..

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