Revista da Academia Paraense de Letras 1954
REVISTA DA ACADEMIA PARÀENSE DE LETRAS 77 homem forte e mi0 se deu por achado, reprimindo soluços para não receber consolos. Envelheceu um pouco, com rugas precoces e a ca– beça grisalha. Fazendo das fraquezas força, continuou, afadigadamente, a faina furiosa, encolhido e ensismemado, como se nada houvesse acon– tecido. Comentários sibilinos e notícias vagas, ouvidas aqui e acolá, di– ziam-lhe do caminho tomado pela adultera, voando nas alturas. O físi– co se amolentava e a alma padecia, com muita dor e com muita ver– gonha. As lágrimas choradas ,não deixavam sulcos no rosto macilento e as saudades cruciantes não tinham conta. A ferida oculta ardia, quei– madamente, fazendo comichões, roedoramente. Não havia como esconder para sí o mal canceroso, que lhe tomava todos os instantes, recordan– do-lhe o passado sempre presente. Correu o tempo. Esquecido 'para os de fóra, parecia o "caso", quando ela regressou, inesperadamente, mais bonita e mais pecadora, chamando atenções e despertando curiosidades. Era uma mundana de alto Já com éla, faiscante -de joias e beneficiada de adornos. Ostensiva– mente, como se quizesse machucar, pisadamente, passeava todas as tar– des de automóvel aberto e exibia-se, despudoramente, em lugares públicos, oferecidamente vendida e disputadamente comprada. Chove– ram concurrentes e não faltaram aduladores, com o açougue aberto noi– te e dia para entrega da carne envenenada. Da casa própria apalece– tada, passou-se para as pensões granfinas e, por último, roladamente, chegou à "zona", topando a relé e bebendo cachaça. Caíra, desampa– radamente, no fundo do despenhadeirp nauseabundo, onde a lama afoga e a pedra gangrena. E foi aí, numa madrugada penetrantemen– te convidativa, que ele baixou, cristámente trazido, para ver com os seus próprios olhos a miséria miseranda daqu~la que, fugido do seu amparo e roubada dos seus afagos, nunca lhe saira do coração apaixo– nado. Patinando nas sargetas esco~-regadías, como se fosse um sonambu– lo, alcançou o cubiculo pestilento da rameira, na Primeiro de Mar~o. A semi. escuridão da viéla, quase deserta, possibilitou-lhe o empurrado da porta mal fechada, para o espetaculo arruinador. Decomposta, no leito purulento, a sua linda Maria, agora trapo humano, recebia tabe– fes dum negro corpulento, o bamba da quadra, que lhe apontava a lâmina reluzente duma faca americana, sinistramente ameaçador. Sem medir consequencias, alucinadamente, jogou-se sobre ele, para receber o golpe mortal, que lhe permitiu, ainda, balbuciar, ostertoradamente, o nome da que fora sua única mulher, possuída por muita gente. Atonita e despresível, a prostituta ébria, tropeçando sôbre o cadáver ensaguentado, esquivou-se, furtivamente, pela rua afóra e no boteco da esquina, charuto na boca desdentada e cuspindo saliva grossa, con– tou aos poucos que lá se encontravam, que no seu quarto havia sido assassinado um homem desconhecido ... A historia acima narrada é verdadeira em todos os seus desen– contros e em todos os seus detalhes. Pela vulgaridade não merecia re– gistro. Levou-me, contudo, á sua divulgação a incumbencia do sonho esquisito que, apouquentadamente, me arrastou ao cemitério de Santa Izabel para expargir flôres numa sepultura raza, sem cruz e sem ins– crições. Na vespera, morrera na Santa Casa de Misericordia, apo– drecidamente, a decaída Maria-Sabiá, conforme o noticiado dos jornais. '
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