Revista da Academia Paraense de Letras 1954
76 REVISTA DA ACADEMIA PARAENSE DE LE'!RAS FARRAPOS DE ABELARDO CONDURú Amaram-se e muito. Ele mais do que éla, no seu egoismo de proprietario cioso e na magnitúde do seu perdão sem limites. . Iguala– dos na posse reciproca, breve e escaldante, perderam-se, perdidamen– te, nas distancias imensas da separação amargurante, que, contudo, não permitiu a êle esquecer, sof1'.edoramente inco1;solável: E bem que podiam ter sido mutuamente felizes, com o mantido do Juramento. so– lene cautelosamente assistidos e cuidadosamente alertados. O destmo, os ~eparou, corporeamente, através intermitencias diabólicas, ar– rematadas pelo crime imprevisto, que o conduziu, dramaticamente, ~o silencio da eternidade, pàra mais quere-la, desculpando-lhe a luxuria escravisadora e bendizendo-lhe o nome idolatrado. Desde meninos, já talúdos, morando na mesma cidade provin– ciana, se juntaram para os folguedos infantis, bolando nos mesmos q~11;– tais e correndo na mesma rua do subúrbio movimentado. Eram v1s1- nhos, parede e meia. Escolares, em principio, frequentaram a mesma aula e receberam as mesmas lições, ·que a mestra Carlotinha, pachorren– tamente, ministrava, pela manhã e pela tarde, durante a se.mana com o domingo para descanso. Aprendidas as quatro operações e a ler cor– rido, separaram-se, indo cada qual completar o curso primario em colegios sexualisados. Não passaram dahí, que os parcos recursos da familia, gente humilde, não dava para mais. A vida encarecera, pertur– badoramente. Havia muita necessidade e os auxilios se faziam precisos. Trataram, então, de se arranjar, empregando-se no comercio, balconis– tas os dois. Acabada a tarefa diaria, conversavam, fiscalisadamente, tôdas as noites, das 20 às 22 horas, cinemando aos sábados, de mãos dadas, folgadamente licenciados. O escuro da sala de projeções permi– tia desembaraços. O namôro tomou rumo certo e o sangue esquentou nas veias. Beijos as escondidas a abraços fortuitos. Quase da· mesma idade, casaram-se -antes dos 21, sem ppmpas e sem invejas. No seu cantinho, modestamente, passaram meia dezena de anos, vivendo um para o outro, sem prag,as e sem lisonjas. Não tiveram filhos, que foi um bem e que foi um mel. Melhorada a situação, sócio êle do armazém rico, começou éla, toda frescura, a aparecer na sociedade, frequentando salões e interrogando vitrínes. Esbelta e bem aquinhoada de encantos, morena carnuda, com sorrisos brejeiros e sedutoramente vestida, os olhares indiscretos, desnudando intimidades, provocaram arrepíos e mudaram hábitos. Não mais se demoravam na mesa após o jantar: caladamente comido, que os compromissos obrigavam a retribuir vi– sitas, mundanamente associativas. Bamboleios de quadris e decotes ras– gados. O ciúme corrossivo começou a operar satanicamente, com os apuros da maquilage seducente e os caprichos da moda estonteante. Era o começo do fim. O bangalô, arrumado caprichosamente, com cor– tinas caras e espelhos cristalinos, sombreadamente iluminado, passou a receber convivas, catados a dedo pela "patrôa", prodiga em agrados e facil em facilidades. O trabalho bravío do marido displicente, não permitia o resguardo da mercadoria cubiçada. Não durou muito. Um belo dia, ensolaradamente amanhecido, com um laconico bilhete posto em cima da escrivaninha da saleta, lá se foi éla para o Rio, com um qualquer, deixando vazio o lar· e o companheiro aparentemente confor– mado. O escândalo não foi dos maiores. Favas contadas. Fez-se de
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