Revista da Academia Paraense de Letras 1954

6 REVISTA DA ACADEMIA P \lt i.EIITS=! DE LETRAS arrastar, como se tivesse vergonha de andar comigo ou para fazer crêr às amantes que já me largou ou me despreza. Adiante de nós estavam três curicas de cabelos empastados de pomada. Gentinha. Deus .me perdôe ! Catingavam como pretas de sovaco sujo. Volta e meia uma delas quase anã e sem natiz, com uma bôca de carataí, grosseiramente pintada, dobf ava-se para o•nosso lado e não tirava os olhos de Paulo. Este pensava que eu não estava prestando atenção, mas eu sou fina. O marido, que continuava indiferente à loquacidade de Amelinha, interrompe-a com ligeira acrimônia: . - Já você está inventando. Porque diabo não conta as cousas direito? Oh! mulher danada! - Inventando, não. Juro pelas cinzas de mamãe que estou di– zendo a verdade. A senvergonhazinha nem se preocupava comigo. Tive vontade de ir até junto dela e dar-lhe uns bofe tes, mas contive-me, era descer muito. Não acha o compadre? Veja o senhor por que humilhações tenho passado. Meu marido troca a mãe de seus filhos por qualquer' vagabuuda. Eu lhe digo com sinceridade : quando saio à rua, sinto que essas bandidas se riem de mim. Vivem pelas casas das feiticeiras, man– dando fazer puçangas para que Paulo me deixe ou eu morra. Investe m ais enérgica para o marido, ·que se embala numa ca– deira diante dela: _ Mas nem tu nem elas gozarão com a minha morte ! Eu virei buscar -te ... Paulo tenta uma defesa da moça, a quem, aliás, não conhece: - Vôce está caluniando a pobre menina. Amelinha exulta e exalta-se. - Preste atenção, compadre. Veja como êle diz: a pobre menina! Sabe até quem ela é. Mas eu também sei. Já descobrí onde mora. Por isso é que, outro dia. uma amiga minha,conversando comigo, me infor– mou sem querer:"Vi hoje teu marido". Fiquei logo de orelha em pé. E co~o quem não ligava importância ao caso: - "Sim? Onde?" - "Num boncle d a 22". Imagine o senhor! Num bonde da 22! Êle não tem nadà que fazer para esses lados, mas é por lá que mora a bandidazinha do "Popular" - a "pobre menina". Paulo defende-se: _ Essa é bôa ! Então estou proibido de viajar em bonde de qual– quer linha? Eu não posso furar os olhos de quem me olha. Não sou saracura. E' a coisa mais natural deste mundo a gente olhar para al– guem ou para alguma coisa. A's vezes olha-se sem querer e sem se v êr 0 objeto para o qual se olha. Isso é muito comum. Não lhe acontece o mesmo, compadr e '/ S im, acontecia. A afiri:nativa desce dos lábios do sr. Joaquim mo– lementc, como escorre um fio de baba da bôca de criança verdinha. E antes que a comadre volte a ter a lgum arremesso contra ele, pede licença para retirar-se e apressa-se em respirar o ar liv1·e da rua. Paulo e Amelinha ficam sós. Pau·a no ambiente um silêncio cons– trangedor. Paulo, a final. levanta-se, faz a lguns pa~sos hesitantes, de– tém se, um br,,.ve minuto, _d iante da mulher, olha-a sem ru·ticular pa la– vra e continua o seu cammho. Amelinha, que permanece sentada, cruza com os dêle o seu olhar indeciso sem nada çlizer. P aulo vai ao fim da peça no mesmo passo lento e ' ao retroceder, num gesto súbito, :i mão tenente, põe-lhe um beijo n~ penugem da nuca ch1:irosa. Amelinha arrepia-se t ôda como sob a ação de um choque e létrico. _ Não est á farto dos beijos que deu por aí? _ Os meus beij os, meu amõr, são teus, pertencem a essa linda bôca que Deus te deu,

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