Revista da Academia Paraense de Letras 1954

32 REVIST A PA ACADEMIA PARAENSE DE .LETRAS tando um caixote de sabà0 cm q ue se alinhavam umas tan tas peças do alfabeto. que eu tive n revela çtl.o d0 mundo, do mundo em que deveria viver. A todo mo– m ento eu a obr!gava a desviar os olhos das prendas que cosia, para matar a mi– nha curi osidade, sem. Imaginar que cada uma de sus expl!cações era uma porto que se abria no meu d estino. Foi ela quem montou o a lfabeto. quem aninhou ns pa lavras n as q u ais eu deveria fazer a viagem que me trouxe da o!lcln n de um ferrei ro no anfitea t ro d a Câmara e ao recin to da Academia. Foi ela a reve– ladora, a an'.mactora, a testemunha de todos os atos em que a minha Imaginação efnsalou romper a obscuridade das origens para conquistar um lugar ao sol. Foi ela quem ren unciou ils s11as Jóias, para que Jamais eu renunciasse aos meus J!– vros ; quem a bdicou d e to cas as regalias, para que n áo me faltasse o Indispensável. Foi ela quem d istribuiu o pouco que tinha pelo mu! to que nos toucou, mult i– pl!cando-se como uma f ada para estar presente em cada etapa do caminho. Foi ela, finalm en te, quem construiu com sun paciência e sua ternura o sóllo que cu acaba va de atingir, vindo d e longe, d e multo loni;e, mo:ltado nas letras com que me revelllra a beleza dos coisas e a eloquência dos s!nals gráficos. Cada uma de suas lições representou a chama que cleverla nllmenta r o fogo in terior . Cada en– &Jnam cnto seu passou a v:1ler como uma mensagem do futu ro. Evocando ngora a r.atls fnçllo com que ela 1nterromplo ns suas costuras para satisfazer a m inha curiosidade Infa n til, qur,9do eu lhe pedln a explicação de uma palavra, vêm-me à Idéia o son oro verso com que se defin iu a vocoç~o dos poetas : "Les vers sont eles niseaux au x alies des proles" . Nad a se ajustaria mel11or n esta evocaç!ío do que o alel'tandrlno francês ao e"l)rlmlr a fôrça alada da~ palavras. Elos colh eram Junto à máquin a d e coser de u m·a ca boclo nortista um pequeno curioso, endiabrado, e o trouxeram, 1\ revelia cte ,tudo e d e todos, a umi das ,q uarenta poltronas pelas quais lutam pelo m enos quaren ta m ilhões de bra sileiros. Elas Inspiraram o pequeno de ontem a t raduzir no homem d e hoje o in!g11nlável sncrlrfcio dos 1)1iies, n !io só para dar il luz mas. principa lmen te, para enob1ecê-la, a vida d os seus filhos. Só duas vezes. que eu me lembre, quebrou minha miie seus s!lênolos a res– pPlto do triunfo que logre: no pleito da Acad emia. A p1•1Jn elra · fe l quando. no se clP:,;pedl rem os a m igos na uolte da clc!ção. eu a li~el comovlda m en tc para deposi– tar n n eeu regaço 08 Iaurtls dessa Jornada . Qu is saber, vnldos~mente, se aquele, cp te eu considera va o me u maior dln. tnm b~m o seria para ela. - Não - contestou-m e - eleito ou n ão eleito, tu pa ra mim Jn eras Im or tal. A segu n da foi quan do se verificou a minha posso. Na noite d e íl ele abril de 1938. qua n do me v!u vestido com aquele fa rdão verde, recamado d e oiro, que o e lfa lAte Lu ís Pena Jta vln "constru ido" (pnra usa r de uma expressão de Oliveira Vian a . assustndo depois com 08 preços de tais uniformes ) com os oito mil cru– zeircG que Abela rdo Condu;u, então prefeito de Belém , pusera à minha dlsposlção em nome da mlnlrn cidade natal honrada e ngradeclda , ela se chegou a m ' m e me con tou : - Quando eras pequeno. n as vésperas dn festa de Nazareth. teu pai Jeva\'a cs !;lhes à melllor alfaiataria. do lugar , que era, en tão, "Aos cem mil pa letós " . r:; cu ~:,colh i" um traJe pa ra vocês . Uma vez te dei um de m arinheiro, com a pito no bolso. D e c u t.ra restA gar.hasle um ele sold adlnho, com botões doirados; mas. folheando revistas, t u viste um retrato do Arquid uque Nicolau , dn Rú fs'.a , q ue ;,ndava en tão muito em moda por via da gu er ra com o J apão . E qu erias por força quC! cu te vest isse d e Arquiduque, com nlama res e galões . Não p u de atedcr ao teu desejo naquela ép oca; mas vejo ngorn raUbar-s, afinal. a tua vontade" . Fitei-a mais uma vez, revendo nela tócla a d lstúncla que Uvc de vencer. desde 03 vr.rnls tle sua mâqul n n de costura il lr'lrnnn por onde passaram ns m ~i )res glórias das letras n acionais. E só en \,ão m e dei conta do t rabnlho q u e me custou a q uela rn~ióta de Arqulduq ,1e q ue minha mãe u ão m e qu is c,,fercccr, para que eu pudesse, por m im mesmo, con q u lsté.-lu.

RkJQdWJsaXNoZXIy MjU4NjU0