Revista da Academia Paraense de Letras 1954

REVISTA DA ACADEMIA P ARAENSJ,; DE: LB'."HAS 23 MEMORIAS DE UM ESCRITOR : DA FORJA Á ACADEMIA de OSVALDO ORICO (Da Academia Brasileira de Letras) Annllzando sun conduta do ângulo pelo qunl via os Inimigos, Jean Cocteau entrava em dúvida sobre se devln estender a mão 1\ si mesmo, caso se conalde– raSBe aquilo que os desafetos pintavam. E tinha razão o demônio das letras francesas. Seria lmposslvel, realmente, entrarmos em contácto com a nossa própria personalidade, uma vez deformada pelo Julgamento dos detratores. 1 A Inimizade e desafeições que lnvoluntarlnmente vamos semeando no caminho operam umn radical mudança no retrato humano da pessõa . Deixamos de ser 0 que somos, para sermos aquilo que os outros desejariam que fôssemos. E dlficll se torna, multas vezes, demudar os aspectos pelos quais somos vistos prevalecendo as aparências sõbre a realidade mesma do Individuo . ' Chega o Instan te, porém, em que nos defrontamos com a nossa consciência , e é preciso ter a coragem de uma atitude : negar ou estender a mão a nós mesmos. E' a hora do próprio Julgamento, quando nos tornamos Julzes dos nossos atos. AI, então, é necessário perder o mêdo de encarar-nos e de examinar a nossa Jor– nada . Faz-se mlstér enfrentar o destino, retl!lcando os Julzos apressados ou ten– denciosos de que fomos vit imas. Nosso papel, nessa altura, não é o de medrosamente fugir ao encontro de nossa personalldade, receoso de estender-lhe n mão. Ao contrário. Nossa missl).o é a de Ir decldldntnente até ela, reconhecendo os êrros cometidos e absolvendo-nos com n própria confissão. E' dns escrlt uras. Olhando-me agora no espelho da consclencia, não terei o desplante nem a Insinceridade de Julgar-me um puritano. Nunca aspirei (nem o pôde, ai de mim !) que a minha vida fôsse modelada pela vida dos santos. O meu pão teve de ser, multo cedo, amassado com o suor do meu rosto. Ou melhor: com o fosfato dos miolos. Se entre os apóstolos e santos encontramos quem tenha comido gafanho– t os no deserto, (aten tal· bem no caso de S. João Batista) não será de estranha r que um pobre menino vindo da selva, desaJudado de outros recursos senão os de sua imensa vontade de vencer, pudesse também ter engUlldo sapos, que é a .tradução, em linguagem prática, das contingências em que se vivam santos ou hore]es. Não me gabo nem me louvo das dlllculdades e tropêços da Jornada. A única coisa que me envaidece é a certeza de não haver empregado, para vencê-los, nenhum melo de 'que me possa arrepender. Nêsse sentido posso tranquUnmE'nte estender-me a mão, sem receio de com.– prometer-me. Todos os postos e situações que all:ancel n a vida foram consequência de um esfôrço honesto, equlllbrado; e me vieram às mãos, ou porque eu recorresse a pro– i.as para alcançá-los, ou i,orque houvesse dado provas para merecê-los. Não foram, ademais, nem tl).o altos que pudessem deslumbrar-me; nem tão pequenos que lograssem obscurecer-me. Sinto-me qultes com o destino, não desejando mais do que êle me deu nem menos do que me seria licito aspirar . Realizei a minha vocação: a de escritor. Bom ou mau , ninguém me n egará êsse titulo. Eu o conquistei com a m inha pena. E o forjei com meus llvros. Den– tro e fora de meu pais . Onde quer que estivesse, no exerclclo de qualquer mlE5d0. os livros me abriram as portas da vida publlca : o m agistério. a diplomacia, a pollLlca . Tu.do o que fui, tudo o que sou a êles o elevo . Não é muito, m ~s é o bastante para não sentir-me fr ustrado . Será pouco, mas é o essencial para Julg3r– me satisfeito. Alnda na casa dos t rinta anos, sem prestigio social ou bafeJos oficiais quo me garantissem o êxito, chegu ei à Academia vencendo cm três décadas uma distância.

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