Revista da Academia Paraense de Letras 1954

REVISTA DA ACADEMIA PARAENS.li : DE l, ETF.AS 115 Para fazer a descoberta desse mundo mais vasto e do processo li.;– terário que melhor poderia exprimi-lo contemporâneamente, não preci– sou Ferreira de Castro de explorar e adaptar a lição de precursores 1 e mestres. A descoberta trazia-a o escritor em sí mesmo, como homem que fôra desde muito cêdo posto em face das r ealidades da vida e do mundo. Trazia-a em parte na sua própria origem orgulhosamente e no– bremente popular; em parte ainda na sua experiência vivida, em que sí haviam gravado as provas inapagáveis do sofrimento de emigrado e do trabalho estonteante na selva amazônica. Mas, acima de iudo, vinha congénita e latente na sua sensibilidade, no seu esto originátorio de éompaixão pela humanidade secularmente ferida, na sua bondade fre– mente, no seu respeito pelo semelhante, na sua natureza mais profun– da de homem visceralmente solidário com os outros homens em tudo o que fôr aspiração de justiça e fraternidade. Tinha atrás de sí, sem dúvida, o exemplo estético e humano de Zola e de Gorki e, entre nós, não sei se a sugestão literária de raros, como Teixeira de Queiroz, que tinham entl'evisto na realidade rica e multüorme do povo um destino a cumprir em literatura. Tudo isso seria nada se uma força interna mais poderosa e a identificação com as mais nobres esperanças dos melhores não tivessem imposto a Ferreira de Castro êsse mesmo destino que impregnou a sua obra e a sua pre– sença no mundo de hoje. Outras gerações vieram depois encetar c~– minhos paralelos na criação- artística, outras influências convergentes vieram somar o seu impulso ao que estava desencadeada em Portu– gal desde 1828, outras forças ecuménicas lançaram no mundo a sua ar– dente mensagem. O escritor tinha aberto o roteiro do romance novo e outros seguiram por êle, muitos mais seguirão ainda para mais per– feitas e definitivas criações, integrando a literatura do futuro na vida e na alma dos povos ressuscitados. Esta missão anunciadora e promis– sora ninguém a poderá negar nunca mais a Ferreira de Castro, pela obra que já escreveu e pela que nos legará ainda em tempos vindou– ros; e perante ela serão sempre flagrantes as originalidades essenciais de livros como "Emigrantes", "A Selva", "A Lã e a Neve" e "A Curva da Estrada", apesar da sua fraca individualidade de estilo, da sua pouca diferenciada caracterização de personagens e de outras objecções que uma crítica meramente estética e formal descobrirá nêles. A homenagem que vai reunir em volta de Ferreira de Castro a multidão dos que o admiram não podera o escritor corresponder me– lhor do que pelo prosseguimento da sua obra, enriquecida por uma ex– periência de cada vez mais largos horizontes e por uma vocação ge– nerosa e humanissima de que não se esgotarão tão cêdo os frutos admiráveis.

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