Revista da Academia Paraense de Letras 1954

REviSTA DA ACADEMIA PARAENSE :::>E LETRAS Í11 eia outro encontro de joêlhos e aí o médico - êle afinal era homem! -deixou-se amaciar suaveme~te. ' (Nessas mesas de jôgo honesto, em algumas delas, se houvesse emba ixo um aparelho de televisão! ... ~ , . . · E a dôce tragédia continuou, de forma esplendente e :positiva p~ra os dois - sem ninguém da família perceber ou desconfiar, e muito o marido, porque este geralmente é o último a saber. das realidades, quando sabe. Ora acontece que dois meses depois a b ela Maria começou com uns enjôos, uns desejos extravagantes, e disse ao marido: - Estou desconfiada... - Váe ao doutor Edgar. Ela estava precisamente habituada a ir ao doutor 'Edgar, mas não no consultório e sim no apartamento dêle. Era um solteirão, inda• pendente, bem instalado na vida. . . . vo,tou, e disse ao espôso, contente: - Escuta, querido, dois meses. O júbilo do marido ! Aquêle homem frio, metodisado, q\lasi meca• nico, como ficou radiante! Era o seu sonho íntimo, que se realizava. E via a mulher alegre, "jovial como em junho o bando dos pardáis" como dizia o Guerra J unqueiro. E parece que saíra por momentos da poeira dos autos. Porque João amara Maria, a seu modo. Mas adorava-a, tinha pai– xão por ela. O problema era que os temperamentos eram diversos - um, outono e inverno e o outro primavera e verão. Antes do casa– mento. devia haver um estágio, para se saber se noivo e noiva com– binavam em tudo, e no resto. Mas afinal chegara o dia do alvoroço. Meia noite ao badalar no sino da Igreja próxima e Maria a sentir as prime iras dôres. Correu t ôda a familia para a casa de Saúde, onde já havia um apartamento seprado. Como é cuidadoso e previdente o dr. Edgar, o sábio mestre da clinica! · PrimeiraJ; dôres. O certo é que ás duas da madrugada nascia o primeiro filho do casal, belo e forte, quasi quatro quilos, berrando. O nome? Jorge. Uma a legria geral. , . E' claro que a parturiente tinha sido bem anestesiada pelo sim– p_ahco e cuidadoso doutor Edgar. Já no quarto, cercada da 1 familia t oda,_ prese11te o clínico, continuava a ação do anestesico. E Maria, es– tendida ao comprido no leito branco, balbucíava as primeiras palavras desconexas, mas, depois, articulou claramente: · -"Meu Edgar, como eu te amo ! Como tenho ,sido feliz comtigo, e que horas de prazer temos passado! Que alegria, Edgard, um filho tet}_ ! E _o ?ôbo do meu marido a pensar que a criança é dêle ! Tôlo o J oao, nao e assim?" O doutor Edgar ficara lívido. Tôda a familia volta ra-se horrori– sada para êle. J oão olhava-o fixo. O clínico balbuciou: - Está delirando. E' o anestesico. Não sabe o que diz. . - • • . "Meu amôr, meu belo Edgar! Quero am anhã me encontr ar con!1go, na i'!ossa hora, às dezesseis. Preciso te amar amanhã, estou anciosa por t,, adorado ! Como tu sabes me fazer vibrar! Amo-te muito, quero viver comtigo, meu grande amôr !" . • .O médico de u a injeção e saiu, perturbado. A família tôda em s1le nc10 olhava-o. O marido procurava se conter desmoronado o seu Lar, pela grande traição. '

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