Revista da Academia Paraense de Letras 1954

r 12 REVISTA DA ACADEMIA PARAENSE DE LE'l'RAS E lançou-se na pregação republicana, mas sem aquêle elan, o ímpeto, a heroicidade, ·da campanha abolicionista. As vezes, nos comidos, quasi decepcionava. Talvez se julgasse de algum 11}0do preso, por gratidão, a um gesto da princesa imperial, que certo dia, num encontro fortuito, aca– rinhara, a cabecinha de uma criança negra. Aquela cena ficaria no inconcjente, como uma inibição, a travar– lhe a palavra, nos assomos demolidores contra a Monarquia. Uma vez, discursando num teatro, titubeava, escolhendo frases, escandindo períodos menos contundentes contra a Corôa, quando al– gúém, lá das torrinhas, lhe cortou o fio da oração frouxa e hesitante, com esta apóstrofe: - Cala a boca, negro. Ao baldão soez, que lhe atingira em cheio e fundo, o ponto mais nevralgico de sua sensibilidade, Patrocinio pára, afusila o olhar e re– vida num impeto, como transfigurado: - negro sim, mas negro como Otélo, para ter ciúmes da Pátria e a eloquencia lhe vem então em catadupas, avassalante, arrasadora, como nos dias idos, empolgando, eletrizando o auditoria, já de agora, suspenso, fremente, vibrante, sob a -magia de sua palavra patética, oracular,. Luta assim P.ela república e mal ela surge, surge com ela Flo– riano, o Espectro, o Taciturno, a Esfinge, que Patrocínio não decifra. Mesmo assim luta, conspira, torna-se suspeito ao Consolidador, en– volve-se na sedição de 92, é preso e deportado para Cucuí. As águas do nosso grande rio viram-no pass.ar , as frondes das nossas matas de1·am-lhe sombra e fruto e na doçura das nossas noites tropicais encontrou refrigério para a amargura do exílio. Cucuí, essa outra selva selvaggia ed aspra, e forte perdida nos sem fins do Inferno Verde, não o guardou entanto por muito tempo. Anistiado, retorna ao Rio, entrega-se novamente à luta, sanhudo, virulento, desesperado, insuflando, acirrando ataques contra Floriano e triunfa ainda, com a ascencão de Prudente de Morais, ao govêrno. Mas, após o exilio, tudo mudara em tôrno de Patrocínio. Os amigos dele se afastaram, as multidões já não o cortejam, os poderosos do momento já não o tetnem. Já não é mais o Rochefort brasileiro, o Tigre da Abolição, para empregar a consagrada expressão de Osvaldo Orico, mas um anonimo perdido na multidão, um boêmio, uma simples sombra de um Totem negro, consumida pelo Templo e renegado pelos novos crentes. Não tem mais discípulos, apostolas, companheiros. O seu jornal, A Cidade do Rio, que fora comprado a "uma Força desencadeada na vida nacional", aos poucos se esvasia. Só êle não mudou. Temperamental, boêmio, desprendido, impre– vidente. Como antes. Como sempre. E ainda sonha. Quer remontar-se aos céus. Surpreender auroras, do alto, no ramo azul infinito. Porfiar com águias, :;obrepairando abismos. ~ Cortar o espaço, não como um meteóro, que se queima na própria chama e não deixa no seu rastro, senãóa vaga e efemera claridade de uma estrêla, que se perde nas solidões dos mundos siderais, mas com as próprias asas, como a procelária, anunciadora das tormentas, que volve ao ninho, em remigios serenos, sobranceira à voragem marinha em que se cnrrodilhou. Voar. E' o seu último sonho. O seu sonho de Ica ro. E com a exuberancia, impetuosidade, entusiasmo, febre criadora ctos primitivo$ dia~ d<\ mocidade, lança-se à derradeü·a aventura, Deixa

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