Revista da Academia Paraense de Letras 1954

REVISTA DA ACADEMIA PARAENSE DE LETRAS 11 Estava de novo só. Mas crescera e encontrara-se enfim a si mesmo e dentro de sí, no seu cerne, no sêu sangue, na sua alma, aquele dom divino que nele tinha um que de sôpro jeovânico, de fiat sagrado, a palavra, o verbo, a eloquencia - que foi a sua arma de combate e o instrumento de seu poder. O noviciado estava findo. Armara-se cavaleiro, e cheio de fé em sí mesmo, podia partir para as supremas justas: a imprensa, a aboli– ção, a república, o exílio, o sonho de !caro, a pobresa, o esquecimento, a morte. O eterno ciclo: Asêenção, Realização, Aniquilamento. Mas agora era correr, subir, escalar, vencer, realizar o seu sonho, o seu destino, em tôda a plenitude. Ferre ira de Araújo abriu-lhe as portas da Gaseta de Noticias. Patrocinio, que sempre tivera na ação e no movimento o seu ele– mento primordial, encontra então no jornalismo, a arena predileta para a expansão do seu gênio de paladino e demolidor. Quatro anos passa em companhia do amigo, mas sob a fascinação dos horisontes largos e escampos que se abriam diante de sí, já em 81 está na "Gaseta da Tarde", a voz revolucionária que desafia o Trono com· a redenção dos cativos e então se lança na voragem abolicionista, como um tumulto feito homem, com deslumbramentos ignivómos, como diria mais tarde Afonso Arinos. Como se ainda fosse pouco, funda A Cidade do Rio, o estuario do gênio indígena, na expressão galhofeira de P aula Ney, onde reune, como companheiros do mesmo ideal, os môços de talento de sua geração, conhecidos então como apostolas do Messias da Raça Negra, e q·ue Côe– lho Netto, um desses apostolas, celebrou nas' páginas de melancolia e saudade do seu livro de Memórias - A Conquista. . Patrocínio, o negro, como a sí mesmo se apodava, se deixa em– polgar, obsecar pela causa r edentora, "a grande misericórdia", faz dela uma idéa fixa, a razão de ser de sua vida. Já então, avultava, exponencial, como o próprio símbolo da luta. Admirado, odiado, discutido, incompreendido, suspeito à Monar– quia, pelo repto que lhe lançara: - "ou cede à vontade do povo ou rola por terra abalada pelo ímpeto popular", mas visto por muitos re– publicanos, como Silva J ardim que de uma feita e de público o acusou de traido1·, Messias da Raça Negra ou simplismente Zé do Pato, Pa– trocínio era a própria alma da Abolição. Está em toda a parte, nos tea– tros, nos comicios, nas arruaças, nos cafés, nas ruas, nas praças, nos conciliabulos, nos jornais, no parlamento, nos quilombos, e, em toda parte fala, prega, impreda, grita, chora, ameaça, agride, suplica, escapa aos -esbirros da polícia que o tocaiam nos cornicíos, e, dominando o tumulto, imperturbável, anuncia para breve a "grande misericórdia". Um dia enfim, auroreia o 13 de Maio. Então nesse dia, escrc··e Côelho Netto : - do seio da multidão, à porta do Senado, de tranco em tranco, asfixiado, rouco, a gesticular, chorando e rindo, vinha um ho– mem de bronze, por entre o tumulto, de braço em braço, como um ídolo que todos quisessem veneradamente tocar e sentir - era Patrocínio. O grande sonho se realizara, e com ela a Conquista, o Triunfo, a Glorificação. Sobre tarde, passado o delírio das ovações, alguém lhe disse en– tão, confidente e augurai: - que belo dia para morrer, J osé. Não, era ainda cêdo para morrer. A vida lhe prometia outras glórias, outras r ealizações. A república o atraio porque e ra o r egime da liberdade e. da igualdade, o govêrno do pôvo, o de:;o.parecimento de classes, precon– ceitos, foros de nobresa, era em suma, a redenção suprema, da Pátria, em busca da Fraternidade universal.

RkJQdWJsaXNoZXIy MjU4NjU0