Revista da Academia Paraense de Letras 1954

REVISTA D A ACADEMIA PARAENSE n:g LETRAS --- ·---- ... - _ __..__,..,.~_. ....... - - que tôda a criança ao br incar, se conduz como um poéta, que crêa um mundo próprio, dispondo dos objetos do seu mundo ; e, que lodo poeta condus-se como uma criança, criando em sua imaginação, ideais pr óprias do seu mundo. Ao contrário da brincadeira, não é por certo, a seriedade, senão a realidae? No entanto, aquele revestimento afet ivo, não impede a criança d istinguir perfeitamente entre o mundo de seus brinquedos e o da realidade, de modo que, com gosto adapta os objetos e circunstâncias de sua imaginação as cousas tangíveis e vi– síveis do m undo real. Precisamente é e.sta adaptação que distingue o brinquedo da criança da fantasia. O poéta procede da mesma maneira q ue a criança ao br incar; crêa um mundo fantástico que toma muito a serio, quer dizer, que dota de grandes quantidadés, afectivas, sem no entanto, deixar de separá-lo nitidamente da r ealidade. Particularmente a l íngua aleman conservou êste parentesco, entre o jogo infantil e a criação poética, chamando (Spiele) jogos, aguelas crações literárias • q ue inpoem adaptação a objetos reais e que sao susceptíveis de repre– sentação escênica; assim se diz "Lustpie" (Jogo a legre, comedia) e "Trauerspiel" (Jogo tr iste, Tragédia) designando-se "Shauspieles" (actor) a pessôa que os interpreta. Mas, convertida a criança em adulto, ha– vendo abandonado a brincadeira, afastando-se durante decênios de anos para captar a realidade da vida, com necessária seriedade, pode suceder um d ia que caia n'um estado psíquico, em a qual volte a anular aquela con tradiçao entre a brincadeira e realidade. E o adulto começa a profunda seriedade com que antigamente dedicava-se aos seus brinquedos infantis, e, equiparando-lhes suas ocupações aparente~ente grav~s atuaes;. descarrega de si o excessivo pêso da vida cotidiana, c~nqu1stando assim, o praser SUP.! "e.mo do hu– mor . Quem conhece o ps1qmsmo do homem, sabe que d ificilmente êle renuncia o prazer a não ser por outro prazer maior . Em verdade j amais renunciar~os a algo, apenas tr ocamos uma coisa por outra, i:ssim quando o adolescente deixa ~e brii:icar, só re– nuncia a adaptaçao ao mundo real ; abandona a brmcade1ra, para se dedicar a fantasia : constróe castelos no ar, crêa . o que a "Psicoanalise" denomina "sonhos diurnos". Penso que a maior parte dos homens ela– bora suas fantasias em certas épocas de sua vida, mas êste fato tem passado <;Iespercebido durante muito tempo, e não tem sido devida– mente apreciado. É que estas criaturas ~ase1:1 n? seu "Inco_nsciente", a vocação do poéta, e, com a transformaçao ps1qu_1ca, da re~hdade em fantasia apro– veitando os recalques dos seus brinquedos infantis, transformam os seus "sonhos diurnos" em belíssimas divagações imaginativas, que vêm a ser a poesia propria~ente dita. E ta?to isto é verdade, meus senhô– res que seria capaz de Jurar per ante vos que a poésia romântica "Meus oit~s a.nos" de Casemiro de Abre1;1, si~nific~ em Psi~oanalise, a renuncia de uma vida adolescente pela v1d.a mfa~til do poeta ; "Oh ! que sau– dades que tenho da Aurora da minha vida. Da minha infância querida que os anos não trazem mais ! " É a vida, inconsciente d_o p~éta, r~cqrdando por simbolismos poéticos, r e– miniscência da sua vida infantil Naqueles tempos ditosos. Ia colher as pitangas, Trepava a tirar_ as mangas, Brincava à beira do mar" .. . Neste sonho poético, <:;asem~o de Abreu,. su~stitu~ o pesado fardo de sua vida real, pelas brmcade1ras de sua vida infa_ltil. É o sonho de vi– gília d'aqueles que nasceram com a alma de poeta, e transformam os sofrÚnentos recaldados de sua vida infantil, nas paisagens literárias mais belas da vida.

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