Revista da Academia Paraense de Letras 1953 (MARÇO V4 EX 5)
• BÊ:VÍS'Í'A DA AÓÂDÉMiA í>AliAÉNSE pl,l L~ t.R.AS 8ll Numa rua escura, êle se aproximou de uma casinha branca e iluminada, em cujo quintal branquejavam sabugueiros em flôr. Espreitou p elo oitão : era o deliciosg interior de um lar feliz. A ca beceir.a da mésa de jantar, que tinha no ce ntro uma radiosa arvore de Natal e cestinhas de figos, amendoas, passas e nozes, estava sentado um velho de alvas barbas, corado e sere no, como que saido de uma tela de rubens... Que brava nozes e amendoas para ·os netinhos, que o rodeavam gnrrulos e gulosos. . No lado oposto achava-se uma senhora abonitadn, languida e feliz, a sorrir para o marido, que no pé dela cea va. O r.ap az saiu dali com o coração dilacerado pelo contraste violento entre a s ua miséria e aquela paz tão santa. E adiante encontrou uns conhecidos que o levaram às tabernas. Eram dez horas quando éle e os amigos, já embriagados, entraram numa taberna conhecida da polícia como fóco de conflitos. Era digna de estar no bairro da Suborra cm cujas vielas infectas se aninha vam a crapulngem de Roma. • Amcs endaram-se e um caixeiro, grotesco e desengonçado como um poli- chinelo, cujo nariz grande e obscen o reclama va com urgência um epii;:rnma de Tolentino, veiu servi-los, toalha ao ombro, sandices na boca escnnteada. Bebiam. Num momento, a atenção do moço fixou-se num grupo - duas mulheres e três soldados do exército. Ah ! o coração bateu uma pancada forte e êle, apezar de bebcdo ficou arrepiado e tremulo. Uma era a sua mãe.. . Ria, ria, sacolejando os seios sujos pelancudos, que apareciam por entre os farrapos do casaco. Os companheiros cantavam e riam, gritando pala vrões; e êle ficou ali, nulo, acovardado, numa agonia grotesca e caricata de Falstaff chorão . . . A velha encarou-o ferozmente, t alvez à lembrança da cena ,:la tarde e a companheir.a, voltando-se, olhou-o com espanto e disse-lhe, numa voz enrouque– cida e fanhosa : - Como está êle ! . . . Nem fala mais com os pobres .. , Ah ! ei:a a sua Izabel, aquela morena boazinha do cortiço, que se pros- tituira... · E êle teve a agoniada sensação de est ar se afundando num tremenda!. Como ela estava diferente J A bõca, já arroxeada pelo incendio intenso da volúpia em noites de es- p asmos e loucura, n ão era mais aquêle en.xame rubro dE'. beijos onde êle ia colher mel. . . Seus olhos gastos p elas orgias, jâ n ão eram aquelas duas vas– tas noites sonhadoras a cuja doçura o seu sonho ca ntava serenatas.. , Éie n ão lhe respondeu e, cerrando as palpebras, pôz-~ a chorar deva- garinho ... Izabel e a velha bebiam e gargalhavam às chalaças acanalhadas dos mi- litares . Quando os companheiros vir.am que Artur chorava, com1?aram a chas- quea-lo e a dizer entre chufas : -Como está essa alma 1 --Ai, malandro J E um soluço grande, profundo, abalou-lhe todo o ser... Foi então que se f ez Jmo: no seu espírito : se tivesse casado com aquela mulher, seus filhos n ão herdariam o m esmo mal ? Não tinham o direito de amaldiçoar-lhe a memória ? Consigo devia m orrer aquêle infame legado . . . Aquilo tudo era uma derrocada fatal I Em pouco a irmã s e atiraria a lama também . . . E todos iriam legalmente acabar no hospital, apodrecidos, como apodre- cidos, morreram os seus a ntepassados, que lhes deixaram no sangue tôda uma história pavorosa de orgias e de crimes. E, cambaleando, os olhos afogueados, deixou os companheiros de súbito, e· Já se foi a soluçar pela treva a zul da noite. . . (Do livro "Pela Vida", publicado em 1911).
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