Revista da Academia Paraense de Letras 1953 (MARÇO V4 EX 5)

--------------~-~----------- REVISTA DA ACADEMIA PARAENSE DE LETRAS 3 prc nntcclpo e ultro possa. o cl~nclo . Arte e ciüncin. entretanto, se comple tam na unidade do conhecimento humano. Enquanto uma capta as imagens pela emo– ção, n outra capta essas Imagens pela razão. Mas ambas são "coordenadas" de civilização no caminho da humanidade, e se equivalem e se completam na inter– pretação da vida. Entretanto, a extensão do prazer e a profundidade do mls– t6rlo que caracterizam o ato super-humano da criação artistica, transcendem não raro os meios normais da interpretação cientifica. Os Laboratórios não dispõem de padrões especificos para a avaliação dos valores artistlcos, c os seus "tests", em geral, embora pretendendo ser exatos e rlgldos, falham não raro na medida das fôrças imponderáveis que dirigem e pre– sidem o ritmo da criação artística. Fisiologistas e w;icotécnicos, psicanalistas e patologistas - t odos os homens de ciência que acaso se preocupam com a explica– ção dêsses altos fenômenos de ordem intelectual - propõem sempre para essa equação de tantas incognitas soluções, unilaterais, incompletas ou falsas. O ho• mem n quem Scheler chamou de descobridor, porque inventa todos os dias a J beleza, libertando-se das subalternas contingências humanas pelo milagre da eternidade llrica da poesia, n ão pode ser compreendido, avaliado e explicado, se– não. panorâmicamente, na universalidade e grandeza de todos os seus dons. . A unilateralidade das interpretações cientificas, no terreno da arte, tem sido fonte de numerosos, melancólicos equívocos. Dai a natural atitude de cet1- tismo dos artistas diante da pesquiza pretensiosa dos homens doe ciência. Real– mente, até certo ponto ha razão para essa atitude, que eu compreendo e justifico. Houve tempo - e nãc, vai longe - por exemplo, em que todos os artistas, fos– sem pintores ou poetas, escritores ou musicistas; eram invariàvelmente, para certa espécie de investigadores, simples "casos cllnlcos" : eram "doentes", eram "anor– mais", eram "loucos". De resto, nesse tempo, era moda ver loucos, anormais e doentes por t ôda parte, onde quer que houvesse gente celebre - na história, na literatura, nas a rtes . Umn moda, afinal, como outra qualquer : dominadora, mas Inconsequente .. . Foi o tempo de Cabanés, Groussac, Toulouse, Maurice Fleury, Ramos Mejia, Singhele:, Parise, Morcau de Tours, Max Nordau. Dezenas de li– vros foram publicados, para cataloga r as celebridades da época nos quadros no– sológicos da psiquiatria. Núo era posslvel ser celebre então sem t er grudada na testa uma etiqueta de manicômio . Poeta era sinônimo de r.loldo ; dizer "ar– tista" equivale a dizer "degenerado". Max Nordau, com uma -tocante ingenui– dade, sem perceber que estava sendo vitima de maliciosas pilhérias, instalava-se nos cafés literários de Montmatre para estudar as "psicopatias" de Rimbaud e Verlalne, de Moreas e Regnier, etc. E depois de observar muitos "casos clinl– cos", publicou com gravidade e convicção um vasto livro sôbre aquilo que êle supunha serem as "nevroses dos simbolistas", e pôs em voga, ::om a sua célebre obra "DEGENERESCl!:NCIA", um novo gênero ,de literatura paramédica, preten– dendo provar que t ôda arte moderna ((naquele tempo também já h avia "moder– nistas" ... ) era mórbida, decadente, atorment ada . . . Felizmente dois psiquia– tras do tempo, os drs. Motet e Branche, que dirigiam um graadc manicômio em P aris, colocaram as coisas nos seus Justos têrmos : de acôrdo com a estatistlca do seu hosplclo, a loucura não tinha preferência pelos artistas : nas suas enfer– marias havia relativamente mais burgueses honrados e pacatos do que homens célebres e artistas. A loucur3 n iio era privilégio de classe, n em de nenhuma categoria social ou humana : era uma coisa que acontecia . . . Contudo, ainda hoje existe na França uma ilustre escola médica - a escola de Lyon - que se dedica a estudos e pesquizas sôbre a patologia dos artistas célebres. E algumas teses notáveis sniram dessa escola nos últimos tempos, como o livro de Georges Normandy sôbre "O fim de Maupassant" e o de J ean Bastard sôbre "A doença que matou Heine" . Em seguida, sobreveio , psicanálise - e t udo passou a ser explicado e in– terpretado segundo as doutrinas de Freud . Os Investigadores veem então "com– plexos" em tudo - n a poesia, n:1 pintura, na escultura, na música. E o pan•

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