Revista da Academia Paraense de Letras 1953 (MARÇO V4 EX 5)

V REVISTA DA ACADEMIA PARAENSE DE LETRAS 55 Se D. João, ao envez de aproar as s uas fragatas pa ra as terras do oci– dente, ordenasse fechar as fronteiras para deter a entrada das forças napole– ônicas, os historiadores vê-lo-iam um heroi na conquista da vitória, mas não · passaria de um louco no insucesso da resistê ncia. E, entre o heroi e o louco,· ' preferiu a bússola do bom senso, que o guiou ao ·sossêgo da colônia, embora a n ódoa da indignidade e o àpupo ·do povo baixassem sôbre êle. Naquele borborinho, na asáfama d a hora desespera dora, quando no ar vibravam os gritos de uma cidade espavorida e u'a multidão e ra avassalada por uma convulsão dantesca, na agonia de quadro t ão horrível, que atitude deveria toma r o regente ? •Nos quarteis os seus exércitos cochilavam Inativos e decaden.tes e, como ·· rude fagedenismo, a rulna corroía as caver nas, conveses e mastaréus das gale- ras ct'a s'ua armada. · Em meio àqu ele conflito de proporções gigantescas, se um Iumaréu de · coragem ardesse, ou se o rei, no fervor d aquêle vexame, acreditasse na possl~ ; bitidade d as su as tropas antiquadas e do seu povo estuando de patrlotisiho, talvez o novembro de 1807 não r egistrasse a fuga dos fidalgos e componentes :· da casa bragantina. Talvez, na resistência, surgisse o triunfo, porque, m ais tarde, em 1808, com a cooperação do povo e o denôdo de um· pequeno exército inglês sob a valentia d e Weellesley, foram os modestos militares lusitanos que nos combates de Roliça e Vimeiro, expulsaram do seu solo as temidas fôrças do intrépido Junot. D. João VI, do:? um lado aguilhoado pelos conselhos dos seus ministros e, de outro, oprimido pelo terror, jamais tivera tempo para dos seus súditos, que f oram novamente bravos em 1810, Velhas, numa resistência que os Imortalizou, forçando o f ranceses de Massena. acreditar na bravura nas linhas de Torres recuo dos 80. 000 Na multiplicidade de tantas agitações, desde o pálido dealbar da regên– cia, em 1792, até a sua morte, frente à soma d os t enebrosos acontecimentos que se d esenrolaram, o r ei injuriado foi um forte. A loucura da r ainha que lhe dera o ser ; o desentendimento com a esposa, que resultou a separação do casal e n ão impediu o aumento adulterino da prole ; a invasão das suas terras pelo poderio napoleônlco ; a viagem pre ci– pitada para a América; o estilete em braza a ferir-lhe a alma, que foi a ingra– tidão dos filhos - D. Miguel, ten tando r oubar-lhe o trono na metrópole e D . Pedro, arrebatando-lhe das mãos os tesouros nativos do Brasil, com o grito de emancipação vibrado nas margens do arroio histórico e mais o ulular daquela nobreza num s orvedouro de alucinados oprobrlos e dege ne rescências, todo êsse volume de contrariedades profundas, de um momento para outro, bem podia constituir o manancial de um sério descquillbrlo mental. Nas duas fases do seu reinado, abroquelou-se de uma Indulgência que teve caracterls ticas de negligê ncia administrativa e anemia moral. E tantas foram as perversidades dêsses conceitos emitidos que elas eclipsaram outros atos do seu govérno, de onde se desprenderam os sandalos embriagadores da clemência e da benignidade. Esqu eçamos os ataçalhos im piedosos dos apologistas da sua demência e a gritaria dos clarlnadores da su a displicê ncia e , a través de le ntes que tenham o poder de corrigir o estigmatismo dos detratores, olhemos para o s eu passado . Fiquem de l ado a forma esdrúxul a de um idiota, a concepção sinistra de um louco e a frieza merencorea e inexorável de um inerte. E sem os vandalismos dos visigodos, que destroem a grandeza do seu re inado, louvemos o homem bom, arruinado por uma d isplicência sem té rmo. No silên cio d êsses anos, que a ••justiça de De us, n a voz da história", venha derramar os seus clarões sõbre êsse rei ultrajado pelos lconoclas·tas e 1\

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