Revista da Academia Paraense de Letras 1953 (MARÇO V4 EX 5)

• REVISTA DA AÓADEMIA PARAENSE DE LETRAS 27 O meu, O Teu, O Nosso Arquivo De Mil.NOEL LOBATO (Ao PAULO IUARANHÃO) Era inconsistente como um boato, a primeira noticia que recebi : Parece que há incendio na FOLHA. A m anhã ia a lta, de maneira que, mesmo verdadeira a informação, não era de molde a causar temores, mesmo em cidade desprovida de tudo, como a nossa. Ai estava, infelizmente, o meu engano. Quase com a rápida s ucessão dos minutos, sabia eu, afinal, que o andar su– perior da :FOLHA se achava destruído, e o seu precioso arquivo reduzido a cinzas. Profundo foi o pezar que me abateu. Qualquer parte dêsse edifício, fundida pelo fôgo, compugiria minh"alma, que por ali andou perdida em sonhos, desde o tempo do velho antecessor, u m sobrado já ameaçando desarticular-se sob o peso dos ano~ . .. E foi para a velha casa q ue primeiramente voejou a minha recordação. Via-me na sala da redação, que era ao mesmo tempo sala d e visitas, assim indi– cada pela mobilia a ustríaca ali instalada, -- num dos lados, ficando ao lado oposto a carteira america na do Dr. Cipriano Santos, seguida da tua carteira, e por trás desta, a minha modesta mêsa. Contíguo a êsse compa r timento, estreito quarto, onde se encontravam as coleções da FOLHA, os nossos originais, t odos enrolados, alguns fardos de papel de unpressão, que, ãs vezes, tinham ser vido de cama ou travesseiro ao F'lávio Cardoso, Maranhão Sobrinho e Vespasia no Ramos. (As bobinas de papel só vieram mais ta rde). Aí habitara Fr ançois de L'Hoste, o herculeo Suíço. Quando entrei a tra balha r ao teu la do, c uidava do arquivo o velho e s au- doso Honório Santos. As taboas do assoalho, oscilantes, niio prom etiam subserviencia por muito tempo . .. Entretanto, esperaram pela construção m ajestosa por que a suostituiste, anos depois. Até o tempo em que p ude p ermitir-me o prazer de frequentes visitas, n a casa nova, guardava êsse a rquivo a dedicação amiga do extinto Salvador Silva. Depois, não apenas a recordação suave. mas a penetrante saudade se foi apoderando de mim. E sob êsse domínio, folheei o que havia de precioso no meio de tantas pá- ginas amarelecidas pela ação do temp o, que as chamas destruíram em poucos horas. PERCORftAMOS O '.[E U ARQUIVO Revi com encant o algumas das p equenas joias do ade reço, s ingelamente denominado : A "Comedia do amór ", E1·am rJug,:unlc8, de realldade q uase foto– gráfica, as more nas postas em ambiente _familiar aos que, ã época , vi'(iam em Belém. Havia mais, além disso, o chiste com que eram r etratados edis em evi- d~ncia, nos seus h ábitos e costumes , ou nos uiodos peculiares de expressão. E ao not iciário comum, entregue ã tua revisão, acrescentavas, com o toque de adjetivo apropriado, a jus ta exp ressão q ue lhe falta va . E ras, e ntão, inegávelmente , a ntes e acima de tudo, o literato de vocaçãÓ, r ealçado talvez m ais no isolamento que te proporcionava o interior d o Estado. o jornal seria a válvula necessaria ao emprêgo dessa aptidão. o jornalista, de múltiplas e s urpreendentes faces, só se revelou quando a morte poz termo aos prolongados sofrimentos que prendiam João de Deus do Rêgo, ao leito. Durante meses a fio, demorast e a tua homenagem ao querido ,poeta e amigo, que foi o primeiro secretário da FOLHA, substituído-o apenas nas funções, e não no cargo.

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